A youtuber com mais de 2 milhões de seguidores conta como superou
várias crises existenciais para se tornar um fenômeno na Internet

Foto: Caio Franco / Reprodução

Quem assiste aos vídeos de Julia Tolezano, a Jout Jout, nem imagina que ela já foi uma pessoa tímida e que precisou superar várias questões pessoais para se tornar uma das youtubers mais populares do país, com mais de dois milhões de seguidores. Em entrevista exclusiva ao repórter Helder Ferreira, a carioca de 27 anos conta como lidou com diversas crises existenciais, como o desemprego (e o desespero) após concluir a faculdade de jornalismo, e como desenvolveu seu amor-próprio. “Quanto mais eu vou me conhecendo, percebendo todas as falhinhas, padrõezinhos e detalhezinhos, mais eu fico encantada”, defendeu. Confira o bate-papo na íntegra.

Como você iniciou o seu processo de autoconhecimento?

Eu acho que é uma coisa constante, de longa data. Não começou com o canal. O processo do autoconhecimento é interminável: sempre tem um trocinho a mais para você descobrir sobre você. É um processo que vai acontecer para sempre. Às vezes me pergunto: será que um dia eu vou resolver essas questões mesmo? Às vezes eu acho que resolvi, mas vem uma situação que aflora uma questão que eu achava que já estava resolvida e novamente tenho que olhar para aquilo com carinho.

Como você começou a entender isso como um processo?

Você vai vivendo, as questões vão surgindo e você vai “resolvendo” essas questões. E aí a vida segue e te mostra que você não resolveu como achava que tinha resolvido. Você tem que resolver de novo, de novo e de novo.

Quando foi que você decidiu lidar com essas questões?

Faz quatro anos que eu faço análise, mas acho que decidi olhar pra isso antes. Claro que houve vários momentos de alienação de mim mesma, do outro e do todo, mas uma vez que eu entendia que estava descolada da realidade, no sentido de não olhar para as coisas que são importantes e percebia isso, eu falava: tenho que olhar para isso. Eu sempre preferi lidar com as coisas do que deixar pra lá. Às vezes é difícil e você posterga, mas tem uma hora que você fala: agora eu vou ter que parar e olhar.

Mas aconteceu algo que fez você sentir uma urgência de procurar ajuda?

São vários momentinhos. Até no meu livro [Tá todo mundo mal: O livro das Crises, 2016] eu falo isso, que sem crise você não segue, não evolui. É na crise que tudo fica escancarado. Por exemplo, acabar a faculdade e não saber o que fazer. Isso foi uma super crise da minha vida, de pensar “caralho, eu não faço nem ideia. Me formei, tô aqui com diploma e tal, mas eu não sei nem onde procurar vaga de emprego porque eu não encontro a vaga eu quero, um lugar onde me enxergo todos os dias”. Aí você entra numa outra crise. É tanta coisa para se considerar. Uma crise que leva a outra, que leva a outra, que leva pra solução dessas crises todas. Mas primeiro, pra você subir, tem que dar uma descida de leve.

Tem um vídeo em que você fala sobre processos de trainee. Durante um tempo, você fez muitos…

E não passei em nenhum!

Também sou péssimo com processos seletivos.

Eles estão perdendo pessoas ótimas, né? Nessa triagem aí.

Mas uma coisa que me chamou a atenção foi o que você disse sobre metas, que às vezes ficamos tão focados numa meta que esquecemos do processo. Que você sofreu um pouco, de ficar ansiosa e ter crises de ansiedade. Como foi lidar com isso?

O grande momento que eu olhei bem para isso foi quando terminei a faculdade e estava nessa crise de “agora eu faço o quê”. Eu ficava nessa crise e chorava, me desesperava, com ansiedade, palpitações. E aí minha mãe falou: “Julia, você não está aproveitando o caminho, você só está pensando em onde quer chegar, nesse lugar que você nem sabe qual é, e não está olhando para esse caminho. A vida é esse caminho.” A gente eventualmente chega num ponto, mas aí chega e acabou. A vida é mesmo esse caminho e às vezes não estamos nem notando que ele está aí.

Parece uma coisa tão óbvia, e a gente não se liga.

Meu canal é isso aí: notar as obviedades da vida, eu te contar e você falar “Ahh!”.

“É na crise que tudo fica escancarado. Acabar a faculdade e não saber o que fazer foi uma super crise, de pensar “caralho, eu não faço nem ideia”.É tanta coisa para se considerar. Uma crise que leva a outra, que leva a outra, que leva pra solução dessas crises todas. Mas primeiro, pra você subir, tem que dar uma descida de leve.”

Qual é o exercício que precisamos fazer para começar a olhar essas coisas?

Acho que você tem que querer olhar. O que já é um passo: você querer sair da série, do seu livrinho, de todas essas coisas que usamos para se distrair e falar “eu vou olhar pra isso. Eu tenho ciúmes, eu quero olhar pro ciúme, quero saber porque eu estou sentindo isso.” Sair do conforto e das ideias pré-estabelecidas. Realmente olhar e transformar alguma coisa. Lidar com a solidão, ficar só e ficar de boa com isso, não sofrer… Você conseguir parar tudo e topar essa barra que é olhar pra você e para os seus processos, vícios e padrões… Orra, isso daí já é um belo de um passo.

Como foi o processo de fazer o canal e compartilhar essas experiências?

Ah, crise também. Partiu de crise. Era uma crise de eu não saber receber críticas: dói muito, dói tanto que eu não vou nem produzir nada, para não ter a chance de alguém ver e criticar. E aí o canal veio muito dessa vontade de quebrar com isso. Vou ser criticada e vou sobreviver, vai dar tudo certo.

Como foi o seu processo de construção de amor próprio?

Tá sendo. Tá sempre sendo. Não tem como você gostar de uma coisa que você não conhece. E quanto mais eu vou me conhecendo, percebendo todas as falhinhas, padrõezinhos e detalhinhos, mais eu vou ficando encantada. Acho que você se olha com mais generosidade.

O que você descobriu sobre a Júlia recentemente que fez você se amar mais, aceitar esse novo aspecto sobre o qual você aprendeu?

Quando eu era adolescente, eu me definia como insegura. Tudo eu falava: “Ai, é porque eu sou muito insegura”. Esses dias, com 20 e poucos anos, eu me peguei falando isso, e aí eu falei — autoreflexão, né — “acho que esse jeito de me definir tá obsoleto. Não é mais isso que me define.” E aí eu fui em busca de uma nova palavra. Deixei a fase de me intitular insegura e entrei numa nova era que é a da inconstante. Isso não é bom nem ruim, é só o que é, e isso traz coisas que eu tenho que lidar. É ótimo e péssimo ser inconstante em vários aspectos. É como se as pessoas tivessem pontas.

Como assim?

O ideal de uma pessoa boa, ética, empática, simpática, divertida, bem-humorada e respeitosa não existe. É como se todo mundo tivesse pontas e a gente tenta cortar essas pontas. As pessoas falam: ah, você tá muito insegura, corta essa ponta. Ah, você foi grosseira, corta essa ponta. Tira a insegurança, a ansiedade… Só que a gente é só ponta, a gente é muita ponta, e quem é que vai dizer que ponta que tem que tirar e qual não? A gente fica tentando arredondar nossas pontas, mas, ao mesmo tempo, são elas que fazem da gente seres únicos. E, assim, desde que essa sua ponta não fira alguém, às vezes é aprender a lidar com aquilo.

Como você usa a empatia para se relacionar com os outros? Porque temos empatia, sentimos, mas o que fazemos com isso depende de nós também.

A gente vê o mundo de uma lente, que é a nossa. É impossível você ver o mundo de dentro da minha cara, porque você não está dentro da minha cara. Minha amiga Jéssica fala isso: “até gêmeos siameses que nasceram no mesmo segundo e viveram as mesmas situações durante toda a vida viram tudo com 20 centímetros de diferença.” No entanto, a empatia conta com esse poder da mente de você conseguir se colocar num lugar em que você não está e ver coisas que você não está vendo. Mas você tem que estar aberto para deixar essa coisa que já é sua agir.

Existem vários pontos de virada na nossa vida. Mas queria saber se há algum que foi mais marcante para você nesse seu processo de autoconhecimento. Há algum a partir do qual você consiga ver uma Julia antes e outra depois?

Teve um momento em que eu entendi o feminismo como uma coisa minha. Não só minha, mas como parte de mim. Porque até eu me entender como feminista, eu falava as coisas que eu falava e as pessoas diziam que eu era feminista, mas eu não ligava, não levantava essa bandeira. E aí eu fui estudar e falei: “nossa, é isso”. É como se dentro da minha cabeça tivesse um grupão de todas as mulheres e a gente estivesse quase o tempo todo juntas, sabe? Por mais que não estejamos juntas aqui, a gente tem uma coisa que nos conecta. E aí, quando eu vi isso, coisas mudaram, sabe?

Tem algum conselho que você daria pra você mesma mais jovem?

Acho que é: por mais que o mundo e as pessoas que estão nesse mundo sejam irritantes, não ache que você já entendeu todas elas. Você não tá ligado. Todo mundo é muito mais “embaixo”, e a gente não faz ideia. Até as pessoas que a gente ama, que a gente é muito próximo. Você não faz ideia das coisas que a sua mãe passou. Você sabe de algumas histórias, mas você não tá ligado em todas as coisas. Coisas que ela apagou da memória dela porque era traumático, por exemplo. Se tem coisas que eu vivi que nem eu lembro, que nem eu sei, mas que influenciaram completamente a minha vida, imagina você vir e achar que sabe alguma coisa de mim. Não ache que sabe alguma coisa das pessoas. Não conclua de antemão que você sabe algo sobre alguém.

Esta entrevista faz parte da edição #024 do MECAJournal.
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