O ponto de vista de Alê Youssef sobre a política no Brasil

Produtor cultural e ativista, Alê Youssef compartilha seus pensamentos sobre o impacto das redes sociais na política e no cenário eleitoral brasileiro

Foto: Jorge Bispo

Resiliência é a aposta de Alê Youssef para enfrentar o atual cenário político brasileiro em ano de eleições presidenciais. Para o produtor cultural e ativista paulistano, é preciso aproveitar o momento de insatisfação com a democracia representativa e construir um debate mais qualificado. “Temos que lutar, esclarecer, buscar informação e divulgá-la nos meios em que vivemos.”

Em conversa com Helder Ferreira, o diretor da Acadêmicos do Baixo Augusta
fala sobre as transformações provocadas pelas redes sociais nas formas de fazer política. O assunto foi analisado por ele em “Novo Poder: Democracia e Tecnologia”, dissertação de mestrado em filosofia pela UFRJ, lançada em livro pela Editora Letramento.

O que você classifica como “Novo Poder”?
Esse “novo poder” surge na interrelação entre a crise da democracia representativa e a revolução tecnológica. As novas tecnologias podem servir tanto para qualificar a democracia representativa, gerando instrumentos de participação popular, como podem ameaçá-la. Temos, por exemplo, experiências relacionadas a notícias falsas e ao uso de algoritmos que podem tentar influenciar seu voto.

Como você vê o papel de megacorporações como Google e Facebook?
São elas que detêm a propriedade das redes sociais e podem cumprir um papel de “oligarquias tecnológicas”. Faço um paralelo com as oligarquias tradicionais, que sempre influenciaram a política a partir de seus próprios interesses. Por isso é tão importante criarmos canais de luta e de análise crítica.

Qual é a importância de uma internet livre?
Precisamos zelar pela liberdade na internet assim como precisamos zelar pela liberdade de um modo geral. Temos que zelar para não sermos ludibriados por fake news e pela manipulação de dados. Devemos estar cientes dessas ameaças e fazer uma cruzada pelo direito à liberdade de expressão e atuação, mas também pela qualidade das notícias.

A internet é um espaço ideal para fazermos política?
Não vamos conseguir transformar efetivamente a sociedade a partir de ferramentas de propriedade de megacorporações, com fins lucrativos. Praticamente a totalidade das hashtags mobilizadoras e dos memes políticos está inserida em grandes plataformas privadas. Isso mostra uma distorção da natureza da ação política que, obviamente, é pública. Política é algo que tem que acontecer em praça pública.

Como você avalia o papel da política tradicional?
Acredito demais na necessidade da luta institucional. Não existe um transformação mais contundente do que a política sendo feita por dentro, quando disputamos os espaços de poder. Eu acho muito interessante o ativismo cultural como uma maneira de pautar questões da esfera pública. Mas é fundamental que movimentos cívicos consigam levar pessoas para dentro da política institucional.

Como as redes sociais podem influenciar essas eleições?
Acredito que duas redes sociais vão impactar bastante. Por ser uma ferramenta baseada em imagens, o Instagram vai ser um espaço muito virtuoso para os memes se proliferarem. E o WhatsApp já demonstrou, pela própria natureza de grupos fechados, uma dificuldade no controle de fake news. O interessante é que tanto Instagram quanto WhatsApp pertencem à mesma empresa: o Facebook.

A internet já assumiu a relevância da televisão no processo político?
Não acho que as redes sociais vão se sobrepor à mídia tradicional nessas eleições. Cem milhões de brasileiros estão fora delas. A televisão ainda é fundamental no jogo político. Tanto que tudo sempre se resume a quantos partidos você vai colocar na sua coligação para garantir o maior tempo possível de TV. Há uma parcela gigantesca da população — especialmente quando você considera que 40% ou mais se declaram indecisos — que vai ser influenciada pela massacrante propaganda de TV.

Como você analisa o debate político atual?
Tudo começa pela qualidade e pelo aprofundamento das discussões, que ficam muito rasas nos debates tradicionais da TV. As regras são muito engessadas. Por exemplo, nas questões sobre segurança pública, temos uma discussão rasa. Fala-se em armar a população ou melhorar a polícia, mas não entramos em assuntos importantes como a desmilitarização, a política de drogas, o encarceramento e genocídio da população negra.

O que podemos fazer para enriquecer o debate?
Temos que aproveitar esse momento de incertezas. Não para fugirmos da política, mas para chegarmos a um debate qualificado e produtivo. Temos os argumentos de que o país não vai bem, que as políticas públicas falharam, que a política que conhecemos hoje é corrupta. A partir desse descontentamento, com resiliência, temos de continuar fazendo movimentos cívicos e organizados, para gerarmos uma massa crítica necessária para a criação de um futuro diferente.

Esta entrevista faz parte da edição #023 do MECAJournal.
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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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