Ojuara: “O bregafunk salva a vida das pessoas que acreditam num futuro possível dentro das favelas”

Entrevista com um dos articuladores culturais, DJs e produtores mais reluzentes de Recife e fundador da banca de DJs 9K que estará no MECABrennand!

(Crédito: Lázaro Júnior)

Indiscutivelmente a cultura é um dos meios mais transformadores de uma sociedade. E essa é a máxima que move a banca de DJs e produtora pernambucana 9K. O nome do coletivo de nove artistas vem da valiosidade de celebrar, reforçar a identidade local e colocar em prática essa potencialidade da arte de salvar vidas e dar novas perspectivas de futuro para os moradores da periferia. O ritmo que permeia e cadencia toda essa trajetória de resistência é o bregafunk: a mistura tipicamente pernambucana de dois gêneros musicais notoriamente populares — o brega e o funk.

Pelas batidas dos rolês independentes que agitam as pistas e os corpos de quem acredita, reforça e enaltece esse movimento, Ojuara — que fará um bailinho cremoso no MECABrennand ao lado de HTTPren — conta um pouco sobre a trajetória da 9K, sobre a importância do gênero no âmbito estadual e nacional, sobre o que o move hoje e também sobre o que podemos esperar da sua apresentação no festival. Bóra?! ✨

De que forma vocês acreditam que a música e a cultura têm papéis transformadores na vida das pessoas?
No momento em que vivemos no nosso país, só a cultura e a arte podem salvar nossos semelhantes de tanta violência. A música é uma das principais portas por ser o meio mais acessível nas periferias. Aqui em Pernambuco, por exemplo, com o nascimento do passinho, a realidade de várias pessoas mudou. É incrível como inúmeras vidas estão sendo salvas com uma manifestação cultural popular. E esse poder da arte é ignorado pelo governo e pelas famílias tradicionais.

Acredito que isso acontece porque levanta a autoestima do nosso povo, sabe? E também dá oportunidades reais para que as pessoas que normalmente não têm perspetivas, para que elas sejam o que são, se expressem de verdade. Hoje, as pessoas estão se tornando MCs, dançarinos, produtores, DJs, coreógrafos de passinho e tudo o que eles querem ser porque é uma cultura de favela e não tem muita limitação do que você pode ser ou não, diferente de outros meios segregadores. Acredito, principalmente, que a música e a dança têm papel fundamental no resgate da nossa identidade. A música dá voz e vez para nós falarmos com autonomia sobre algo que nos pertence e nos salva diariamente. E a gente precisa ser escutado urgentemente.”

Da esquerda para a direita: HTTPren e Ojuara. (Crédito: @mayenems)

“É incrível como inúmeras vidas estão sendo salvas com uma manifestação cultural popular. E esse poder da arte é ignorado pelo governo e pelas famílias tradicionais. Acredito que isso acontece porque levanta a autoestima do nosso povo, sabe?”

Qual é o papel da 9k na cena recifense?
A 9K vem em dois formatos: uma produtora e uma duplinha de DJs. 💕Atualmente, a gente produz a maior parte dos eventos independentes que rolam na cidade, o que além de revelar artistas dá oportunidades de emprego. Estamos vindo de uma construção bem grande na cena cultural pernambucana. Em três anos já fizemos mais de 100 bailes que reuniram mais de 200 artistas brasileiros. Estamos nesse corre de gerar emprego e, cada vez mais, dar oportunidades para pessoas fazerem e aparecerem também, coisa que é difícil acontecer aqui por conta da meritocracia e de muita invisibilidade para artistas da favela. Aqui, a gente já lança um determinado MC no palco e tenta dar um suporte quanto a apresentação, venda de show e o que mais o artista precisar da gente. O nosso trabalho é uma grande corrente que só cresce a cada dia.

Como DJs viemos mostrar que temos autonomia para tocarmos nossas músicas que nascem nas nossas favelas. Não é apenas dar o play, é andar na favela e saber da onde veio aquele som, quem fez a batida… Existe todo um contexto histórico por trás. A gente está bem cansado de ir em alguns eventos e não nos sentirmos representados por DJs de alto poder aquisitivo. Por isso, resolvemos mostrar o que é o bregafunk para todos. Somos uma grande parte da engrenagem, muitas vezes ‘sabotados’ de alguns eventos justamente por conta da nossa posição política dentro e fora dos palcos, pela higienização que rola nas festas, onde querem o bregafunk, mas não querem as pessoas da favela lá no palco ou no público. Por isso, pensamos diariamente estratégias para quebrar essa barreira e meter o pé na porta.”

“Somos uma grande parte da engrenagem, muitas vezes ‘sabotados’ de alguns eventos justamente por conta da nossa posição política dentro e fora dos palcos, pela higienização que rola nas festas, onde querem o bregafunk, mas não querem as pessoas da favela lá no palco ou no público. Por isso, pensamos diariamente estratégias para quebrar essa barreira e meter o pé na porta.”

Por que vocês acreditam que a junção do brega com o funk seja tão incrível e importante para a cultura pernambucana e nacional?
“O bregafunk surgiu como um movimento de paz. E o que predominava na cena era o conhecido baile de corredor que acontecia na cidade. Era uma festa que gerava muito atrito entre os bairros, várias mortes por disputa de espaço e não era algo tão rentável para os artistas da época, por isso os bailes de corredor foram extintos. E os artistas que eram do funk migraram para o brega, unindo os dois estilos. Mas era aquele brega mais lento, romântico. O MC Leozinho do Recife foi um dos pioneiros nessa junção de estilos, pegando a essência do brega e misturando com a parte mais dançante do funk. Assim surgiu essa nova tendência e, com ela, a nova perspectiva de vida. Assim como o passinho salvou a vida de vários jovens que iam nos bailes para se bater e matar.

O bregafunk começou nos anos 2000, mas sempre existiu pra gente e tomou uma proporção nacional depois da febre MC Loma e As Gêmeas Lacração que abriram, mesmo sem querer, essas portas com o hit “Envolvimento”. As pessoas precisam, portanto, entender e respeitar que o bregafunk é um ritmo legítimo de Pernambuco. Não é funk, não é bregadeira, pagodão, swingeuira, é o nosso amado bregafunk que vai dominar o mundo, pode apostar. Porque ele salvou esses MCs e público de funk de corredor e desde então vem salvando a vida de várias pessoas que acreditam num futuro possível dentro das favelas. Por isso ele é tão incrível, fez com que as pessoas parassem de se matar para dançar em cima de uma batida frenética e dançante pra caralho!”

Da esquerda para a direita: Ojuara e HTTPren e Ojuara juntos. (Crédito: @mayenems)

O que move vocês hoje?
“O que nos move é dar voz à periferia, resgatar vidas e mostrar pras pessoas que podemos ser quem nós queremos ser, mesmo que digam que não podemos ou nos diminuam. O nosso lema é trabalho, compromisso, autonomia, resistência, persistência, luta, igualdade, fraternidade e amor.”

O que a gente pode esperar da apresentação de vocês no MECABrennand?
“Boa pergunta. A gente está construindo o set com base em uma grande pesquisa de vários anos de brega para fazer uma viagem no tempo e passear pelo ‘extinto’ funk de corredor que reinou durante anos e foi o grande termômetro dessa cidade, chegando finalmente ao bregafunk. A nossa ideia é enaltecer um gênero musical que mudou a realidade de tanta gente e que ainda é tão discriminado e visto com olhos de reprovação pela família tradicional brasileira. Pode ir se aquecendo para mandar muito passinho! Vai ter de MC Leozinho do Recife a Niago e Seltinho Coreano — a 9K vai deixar o MECABrennand do jeito que o diabo gosta, nojento de fato! Como o MECA é de São Paulo e a 9K é de Pernambuco, vou mandar um som que vai representar a gente de verdade, é isso!”

MECABrennand⁠
14 de setembro de 2019⁠
Oficina Brennand — Recife/PE⁠
mecabrennand.com

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Débora Stevaux
MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

repórter de cultura & social media do @mecalovemeca que escreve porque acha que a arte é transformadora o suficiente para gerar impactos sociais positivos