Para devorar Thiago Pethit: 6 perguntas sobre seu novo álbum

Um bate-papo exclusivo com o cantor paulistano que acaba de lançar o quarto disco de inéditas, intitulado “Mal dos Trópicos”

Thiago Pethit durante as gravações de “Mal dos Trópicos — Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação”. (Crédito: Rafael Barion)

Um álbum épico, grandioso, necessário e brasileiro. O cantor paulistano Thiago Pethit volta com maestria, lutando, chorando, amando e desamando em pleno pós-Carnaval, após um intervalo de cinco anos. Abram alas para o seu mais recente trabalho, “Mal dos Trópicos — Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação”, lançado nesta sexta-fera (15/3) — uma mistura de elementos clássicos com uma roupagem contemporânea.

Acompanhamos a trajetória de Pethit há quase dez anos. Seu primeiro álbum, “Berlim, Texas”, lançado em 2010, deu fôlego ao indie brasileiro em um momento de crescimento no cenário musical e econômico brasileiro. Ótimos tempos para ser e estar no Brasil. Dois anos depois do primeiro sucesso, o cantor acertou em cheio com “Estrela Decadente”. Naquele projeto, percebíamos que o artista nos mostrava, também, um trabalho visual estético completo. Junto das músicas, havia toda uma atmosfera entregue ao público, que indicava caminhos de entendimento subjetivo da estética proposta.

Capa de “Mal dos Trópicos — Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação”

Foi em 2014 que o artista nos mostrou seu lado rockstar. Inspirado no grunge, o álbum “Rock’n Roll Sugar Darling” trouxe “Romeo, hit que reforçou seu lado indie, mesmo que o gênero respirasse com a ajuda de aparelhos na época. Coincidentemente, naquele tempo, as coisas nessa Terra Brasilis não andavam muito bem. Mas a produção musical, assim como várias manifestações culturais, políticas e econômicas brasileiras sugeriam: ainda sim, estamos vivos! Anos se passaram e muita coisa mudou. Mas hoje, o indie já não é mais uma questão na sua carreira e a música tem outro papel.

Thiago Pethit (Crédito: Rafael Barion)

Thiago Pethit sabe disso.
É por isso que nos entrega um trabalho completo que, certamente, ultrapassará as expectativas do seu público. Voltou maduro, profundo e mais brasileiro do que nunca. A sonoridade varia com cada música, mas segue uma linha única vocais doces remetendo à cantora capixaba Nara Leão, um instrumental orquestrado lembrando o compositor carioca Heitor Villa Lobos e um trip hop flertando com as músicas dos anos 1990 da cantora carioca Marina Lima… Existe uma conversa de elementos históricos (música clássica) com contemporâneos (trip hop). A viagem musical que o álbum traz é deliciosa de descobrir: cada vez que você escuta, descobre um elemento novo nesse magnífico diálogo.

Solidão, amor, desamor, desesperança e fúria são os principais temas das letras, todos tendo como cenário a capital paulista com um quê grandioso e universal de Brasil. Mesmo quando Pethit canta sobre amor,
é inevitável a crítica política e esse tema se torna a pólvora de um grande desabafo, estando presente, inevitavelmente, em quase todas as músicas.

“Independente de ser um bom ou mau momento no Brasil, para a nossa cultura, economia ou política, é bastante claro que estamos num momento crucial.”

Thiago Pethit (Crédito: Rafael Barion)

É impossível não associar o verso “Meu desejo é festa pagãcom a atual situação de pessoas LGBTQ+ no Brasil, onde um ato de amor é motivo de ódio. Há também críticas mais diretas como “Meu país está em guerra e as leis na minha terra nenhum Deus será capaz de mudar” e ainda “Eu quero ver o fogo pegar samba”, seguindo de um samba típico brasileiro.

A parte estética é um deleite sensorial. Inspirado em Orfeus de histórias, mitologias e fantasias, o disco se torna uma narrativa de uma maldição, como se todos nós estivéssemos enfeitiçados e amaldiçoados por viver na efemeridade do agora que essa obra apresenta. No entanto, permanecemos todos juntos.

O convite é claro: devorem-no nessa entrevista exclusiva que fizemos com o cantor.

MECA: Você voltou com maestria, no sentido mais real da palavra. Seu novo álbum se diferencia de outros trabalhos na cena brasileira atual pela grandeza — desde a narrativa de Orfeu, até no instrumental, que mistura a grandiosidade da música clássica com a contemporaneidade do trip-hop. Como foi pra você encontrar essa nova estética (visual e musical) do novo álbum?

PETHIT: “Acredito que somente essa grandiosidade e seriedade, sonora ou mítica, são capazes de dar conta da complexidade dos nossos tempos. São tempos estranhos, desconhecidos e assustadores muitas vezes. Independente de ser um bom ou mau momento no Brasil, para a nossa cultura, economia ou política, é bastante claro que estamos num momento crucial. Essa estética épica e urbana surgiu dessas indagações. Dessas perguntas que eu me fiz nestes anos: ‘O que vai ser de tudo isso? Como foi que chegamos aqui?’ São perguntas quase existenciais. E não há respostas concretas ou que sejam simples. Mas por isso as perguntas são tão interessantes, justamente porque é complexo. A grandiosidade da música sinfônica, orquestral, cumpriu esse papel de refletir o épico, o trágico, esse tom as vezes fantástico, as vezes fantasmagórico do disco. Já a onda ‘trip-hopesca’ faz parte dessa narrativa paralela: o belo e sujo, o mítico e o mundano, os deuses e as cidades, os humanos e os ratos.”

“A dor é transformadora. Se ela não nos paralisa, ela nos torna mais completos e humanos.”

MECA: A solidão é um tema recorrente em suas músicas e nesse trabalho não é diferente. Ela está presente de uma forma elegante e singela.
As pessoas não têm o hábito de ficarem sozinhas, as novas gerações fogem disso. Como a solidão te influenciou na criação desse trabalho?

PETHIT: “Bem, este disco é sobre solidão. É sobre luto e perda. São assuntos que em geral as pessoas não gostam mesmo de ‘olhar’. Isso é bastante cultural, sobretudo no Brasil. Parece mais cômodo, mas às vezes, é também até necessário criar um escapismo para essa dor. Uma festa fora de hora e lugar. Qualquer motivo para dançar e beber para fugir dessa ausência do outro. Mas a verdade é que nós somos sós. Os outros são passagens e momentos. Existir é uma experiência absolutamente solitária. Ninguém existe por e com você. E quanto menos privilegiado você for, menos passagens, outros, trocas e menos existências. Mas nem os mais privilegiados podem fugir dessa condição tão humana. Eu descobri muito cedo na vida o que era sentir falta. Conviver com a morte, a dor, o quão feia é a dor. Tive que lidar com esses temas quando ainda era muito criança, por motivos que prefiro guardar para mim. E levei muito tempo para entender que discorrer sobre isso musicalmente é também uma forma de amenizar essa solidão. Eu faço música para compartilhar com o outro.
O outro é quem mais me importa. Sua escuta. Por isso eu amo tanto fazer shows. É um momento de comunhão sagrado, onde estão todos juntos, vibrando num mesmo som e trocando.”

MECA: Como seus amores e desamores influenciaram na criação das canções do álbum?

PETHIT: “Eu sou muito dado a paixões. E não digo paixões românticas apenas. Eu tenho paixão por pessoas, amigos, ruas, bares, cidades.
São paixões mesmo.
Um afeto imenso e que me toma sem muita razão. Escrevo bastante sobre isso e especialmente se estou ‘apaixonado’. Mas o desamor e a solidão prevalecem. Não porque eu seja pessimista ou sei lá, nunca fui um adolescente emo. Mas a dor é transformadora. Se ela não nos paralisa, ela nos torna mais completos e humanos. Apaixonar-se dói também. Às vezes é devastador.”

MECA: Esse álbum é uma obra de arte atemporal. Você trabalhou com elementos já conhecidos e os reinventou. Parece que nos teletransportamos para o passado, mas quando ouvimos as letras, percebemos narrativas contemporâneas. Você basicamente recriou o Brasil. Como você diz em “Mal dos Trópicos”: “Eu quero ver o fogo pegar samba”. Esse trabalho é uma válvula de escape para o que estamos vivendo?

PETHIT: “Esse trabalho é uma reflexão sobre o que estamos vivendo. O meu espelho talvez. Um olhar sobre o Brasil, sobre a sombra dos trópicos, sobre nossas belezas e tragédias. Têm muitas narrativas possíveis dentro do disco. Tem toda essa maldição, mas há alguma esperança no final. Um fogo que não para de queimar e que, se os deuses quiserem, há de pegar bastante samba.”

MECA: Qual é o Mal dos Trópicos?

PETHIT: “A pobreza. A colonização. A fome. A desigualdade. A escravidão.
E as paixões. A sombra que ninguém quer ver na luz dos trópicos.”

MECA: Qual é a relação entre “amor” e “maldição”?

PETHIT: “Ambos são devastadores e inevitáveis. O amor é dos humanos, a maldição deve ser dos deuses.

Ouça o novo disco “Mal dos Trópicos — Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação”, de Thiago Phetit:

Esta matéria e a entrevista foram feitas pelo nosso curador musical e DJ residente, Dimas Henkes. Segue a gente no Instagram? E no Twitter também?

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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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