Pelo ‘enviadescimento’ do mundo: Entrevista com Linn da Quebrada

Brilhante na música e no cinema em 2018, a cantora Linn da Quebrada fala sobre aprendizados e desaprendizados no ano, e crava: “O Brasil precisa ‘enviadescer’ para que possamos construir outras masculinidades”.

Foto: Mariana Smania

Bicha, trans, preta, periférica e terrorista de gênero. Nem ator, nem atriz. Atroz. Sobram títulos para descrever Linn da Quebrada, e em 2018 ela conquistou mais um: o de uma das artistas mais relevantes do momento.

A cantora paulista de 29 anos transitou pelo Brasil e pela Europa apresentando seu provocativo primeiro disco de estúdio, “Pajubá”, nome do dialeto utilizado pela comunidade LGBTQ+. Protagonizou “Bixa Travesty”, premiado como melhor documentário LGBTQ+ no Festival de Berlim, e fez uma participação em “Sequestro Relâmpago”, suspense da diretora Tata Amaral. Envolveu-se até com política internacional ao boicotar um show em Israel — e receber apoio de ativistas como Angela Davis.

Em entrevista aos repórteres Felipe Seffrin e Helder Ferreira, realizada pouco antes de subir ao palco principal do MECABrás para se apresentar ao lado de Badsista e Jup do Bairro com o projeto Trava Línguas, ela reafirma seu papel na luta por direitos da comunidade LGBTQ+, contra o “cis-tema” (neologismo referente à transfobia do sistema dominante) e frisa sua função de “canal”: “Essas coisas passam por mim, mas não posso ser o objetivo final disso tudo que está acontecendo.”

Pajubá nas escolas?
Pajubá já é uma escola. Pajubá já está nas ruas, já está na vida, já está no nosso cotidiano, queiram as pessoas ou não. Pajubá é inconstitucional, é clandestino, é uma linguagem de resistência. E, quando se diz de resistência, nem todas as pessoas podem saber, nem todas as pessoas podem dominar. É indominável e indomesticável. Pajubá é deseducante, é mal-educado, e é justamente por isso que acho que ele tem toda essa força e representa tanto perigo.”

O que você aprendeu este ano?
Eu acho que aprendi, mais uma vez, a fazer novas perguntas. E a minha pergunta tem sido muito a respeito do que pode este corpo. Acho que este corpo pode fazer guerra, lutar, resistir, ser fraco… Este corpo pode abrir mão de tudo, exceto de si mesmo. E este corpo pode também contar com outras pessoas. Acho também que o que mais aprendi este ano foi a confiar. Tenho aprendido a confiar nas minhas parceiras, em mim mesma e no movimento que as coisas tomam a partir do que tenho feito. Aprendi que isso tudo não é sobre mim.”

“Este corpo pode abrir mão de tudo, exceto de si mesmo.”

E o que você desaprendeu este ano?
De certa forma, eu desaprendi a amar, porque estava acostumada a amar determinados corpos e o amor é uma das principais ferramentas de manutenção do “cis-tema”. E, quando amamos compulsoriamente os mesmos corpos, da mesma forma, também nos tornamos ferramentas de manutenção desse “cis-tema”. Acho que desaprendi a amar. Destruí o amor em mim e agora, finalmente, estou conseguindo construir outras coisas entre nós.”

Qual é o jeito certo de amar?
Não sei. Acho que não tem jeito certo. Acho que é justamente isso: não tem fórmulas, não tem cartilhas. Acho que precisamos entender que o amor é um privilégio e devemos estar atentas a quem privilegiamos com ele.”

O que precisamos mudar em 2019?
A nós mesmos. Temos que apontar as armas para nossas próprias cabeças e entender que não se trata só do outro, mas se trata também de matar em nós mesmos o macho, o branco, o senhor de engenho, o capataz — aqueles que pensam estar sempre à frente, mas vivem para trás.”

O Brasil precisa “enviadescer” mais?
O Brasil precisa ‘enviadescer’ e ‘transviadescer’, entendendo que talvez isso signifique discutir e descurtir a masculinidade. É preciso ‘enviadescer’ e ‘transviadescer’ para que possamos criar outras masculinidades: masculinidades femininas, doces, que não sejam nocivas a outros corpos.”

Tem que ter muito talento para…
Tem que ter muito talento para desafiar a si mesma. Para admitir que você pode estar errada. Para entender que você não sabe de tudo. Tem que ter muito talento para dizer: ‘Eu não sei’.”

Essa entrevista foi feita pelos repórteres Felipe Seffrin e Helder Ferreira e faz parte da edição #026 do MECAJournal. Segue a gente no Instagram? E no Twitter também?

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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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