Tendência & Criatividade: marcas políticas

Foi-se o tempo em que as marcas podiam se eximir de qualquer opinião política. A Contagious Communications, consultoria inglesa de inteligência e inovação, analisa nesta edição a delicada relação entre marketing e questões sociais

Foto: AP

Em um mundo em que discussões sobre temas sociais ganham cada vez mais repercussão, o poder do consumidor extrapolou as redes e passou a impactar financeiramente empresas que decidem se manifestar por determinadas causas e até as que preferem manter certa neutralidade. Cada vez mais, marcas são atores políticos, avalia a consultoria de insight e inteligência de comunicação Contagious.

A consultoria destaca que ao buscar vantagens comerciais usando o conceito de “fazer o bem”, as marcas estimularam consumidores a esperar por muito mais. Como diz o presidente executivo da Kantar Futures, J. Walker Smith, citado no estudo da Contagious, “política e lifestyle não podem mais ser tratados de forma separada”.

“Se uma empresa vai assumir uma postura, deve olhar para ela do ponto de vista dos problemas que importam para a própria empresa e para o seu público.” — Latia Curry.

Consumidores, especialmente os mais jovens, estão exigindo que as marcas sejam transparentes em relação às suas crenças e ajam de acordo com elas. O impacto é real: uma pesquisa global da Edelman em 2017 mostrou que 57% dos consumidores apoiarão ou boicotarão uma marca com base em suas posições políticas ou sociais.

Latia Curry, diretora da agência de comunicação Rally, aconselha companhias sobre questões políticas. Para Curry, ficar em silêncio é ver as outras marcas ultrapassarem você e perder a oportunidade de impactar seu público-alvo. Mas, primeiro, é preferível entender por que se envolver, em vez de querer consertar o mundo.

Ela cita uma campanhas da Starbucks nos Estados Unidos, criticada ao propor discussões vagas sobre temas como igualdade racial. Além de um cuidado redobrado na forma e no conteúdo, é bom evitar que a política partidária conduza a discussão. O ideal é se pautar por questões como o impacto que a empresa e seus produtos têm no mundo.

“Se uma empresa vai assumir uma postura, deve olhar para ela do ponto de vista dos problemas que importam para a própria empresa e para o seu público”, recomenda Curry. Um bom exemplo é a marca de roupas Patagonia, símbolo de sustentabilidade: suas campanhas por causas ambientais são interpretadas como autênticas, e não como simples ações de marketing.

Ser verdadeiro, proativo e entender os problemas abordados é o caminho ideal. “A tendência é a criação de um ‘nicho mundial de marcas’, formado por aquelas que empreendem iniciativas de responsabilidade social e corporativa.” Essa prática tem um impacto real na relação com os clientes, no faturamento e, em maior ou menor escala, na construção de um mundo melhor.

Escala de engajamento

A consultoria americana de estratégias de comunicação Rally usa exemplos recentes para mapear novas tendências e traçar estratégias de mercado. Entre as marcas que já se alinharam a questões políticas e sociais, há vários níveis de comprometimento. A escala vai de empresas que abordam assuntos sem relação com o negócio da marca até companhias que são reconhecidas na defesa de questões sociais.

“Testing the water” (Testando a Água)

É quando marcas executam uma única ação que expressa um ponto de vista sobre questões políticas. Em geral, essas empresas não têm um histórico em relação ao problema em questão e estão apenas vendo o que acontece — mas o impacto pode ser grande. O desafio é acertar o tom.

Um exemplo que deu certo: Burguer King // Apesar de vender hambúrgueres, a empresa já falou de bullying e até sobre a proposta de neutralidade da internet nos Estados Unidos. As campanhas traduziram questões complexas em uma linguagem didática. No caso do bullying, a analogia em um vídeo foi com um lanche amassado: os clientes reclamavam do hambúrguer, mas ignoravam um ato de bullying encenado por atores mirins no restaurante. “Eles não têm nenhuma associação com os problemas em que estão tocando, mas demonstram uma fluência real e um forte sentimento em torno deles.”

“Owning your position” (Ganhando posições)

O próximo nível de engajamento é verificado quando a marca desenvolve uma série de ações para firmar sua posição junto ao mercado e ao público, assumindo todos os riscos envolvidos. Nesse caso, há mais consistência e maior profundidade de conhecimento.

Um exemplo que deu certo: Lyft // Concorrente da Uber nos Estados Unidos, a empresa de transporte compartilhado Lyft desenvolveu várias ações para marcar território. Quando Donald Trump proibiu a entrada de muçulmanos no país mesmo com passaporte, a Lyft anunciou uma doação anual de US$ 1 milhão para o Sindicato Americano de Liberdades Civis e deu corridas grátis para quem fosse aos protestos da “March for Our Lives”. A Uber ficou quieta e foi ultrapassada em downloads pela rival. “Isso não é apenas colocar uma ação por aí e cruzar os dedos, é colocar sua cara nela e reivindicá-la.”

“Walking the walk” (Seguindo seu caminho)

O engajamento é real quando uma marca sabe por que está lutando por algo e quando essa empresa de fato representa, em algum nível, os princípios dessa questão. Se eles lutam por diversidade no mundo, por exemplo, são mesmo diversos. Não se trata apenas de gerar lucro.

“A Patagonia tem clientes que só compram Patagonia, por ser uma empresa que compartilha suas crenças. E isso é realmente poderoso para a estabilidade de uma marca.”

Um exemplo que deu certo: Patagonia // Símbolo de sustentabilidade, a marca de roupas defende que produtos podem ser usados por anos, e por isso fabrica itens duráveis. Também promove a reciclagem de peças e destina parte de sua receita para instituições ambientais. Quando Donald Trump diminuiu reservas ecológicas, a empresa se manifestou de forma contrária, e isso não foi visto como algo repentino e interesseiro. “A Patagonia tem clientes que só compram Patagonia, por ser uma empresa que compartilha suas crenças. E isso é realmente poderoso para a estabilidade de uma marca.”

Em parceria com a Contagious Communications,

o MECA antecipa as mais novas tendências de comunicação em prática no mercado internacional e já observadas no mercado nacional. O resultado você confere no MECAJournal e em talks realizados no MECASpot.

Esta matéria faz parte da edição #023 do MECAJournal e foi escrita pelo repórter Felipe Seffrin.
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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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