Bacurau (Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles)

Bruno Burinetti
Me Desculpe, Dave
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3 min readSep 12, 2019

Uma cidade pequena em Pernambuco que some do mapa — literalmente; assassinatos bárbaros e misteriosos e ainda um prefeito que coage e manipula a população humilde: caldeirão fervendo de mazelas que fazem a receita de “Bacurau” ferver.

Entrada de Bacurau.

Acostumado a relatar histórias do ponto de vista de quem tem seu lugar como alvo de visitas indesejadas, o realizador do colírio “Aquarius”, dessa vez dividindo o serviço com seu montador frequente Juliano Dornelles, deita e rola, criando um ambiente de filme de gênero da melhor qualidade. Um western com DNA made in Brasil e contundente para a época que se vive nesse país.

Referendado pelo Prêmio do Júri em Cannes, o longa estreou aqui cheio de expectativas e obviamente enfrentou patrulhas ideológicas de quem não enxerga o óbvio: É hora da cultura nacional resistir e só por isso a obra já teria seu nome na história.

Mas a verdade é que importância política à parte, temos aqui um FILMAÇO. Udo Kier (ator acostumado a dividir sets com Lars Von Trier e Dario Argento, por exemplo) e que aqui vive Michael, um desprezível assassino, disse em entrevista ao Canal Brasil que os diretores diziam o tempo todo: “Não atuem!” e o resultado disso é uma direção de atores primorosa. Nada soa artificial, nada soa gratuito, toda violência presente é perfeitamente ajustada com o roteiro, que alinhado a uma montagem coesa, constrói uma narrativa de tensão e pânico. Se temos a sensação de impotência ao testemunharmos uma prostituta sendo levada a força pelos capangas do Prefeito (Thardelly Lima) imediatamente temos a forte reação de Domingas, personagem lindamente marcante de Sônia Braga. Da mesma forma, a cidade é refém de poderosos o tempo todo mas nunca deixa quem assiste pensar que estão indefesos.

Fruto de tempos polarizados, tanto realidade quanto ficção não se atém a simplicidade. A esperança estar a cargo de criminosos (aos olhos dos poderosos, diga-se) é mais do que plausível. O Lunga defendido por Silvero Pereira é sangue na veia de uma população anêmica pela desesperança. Personagem dos mais fortes do ano, sem dúvida.

Acusado de maniqueísmo por alguns, o filme tem um perfil bem diferente disso ao assumir um lado e aceitar que são tempos extremos. Difícil ficar em cima do muro, então por isso o perdão passa longe e o sangue jorra na tela. Se em alguns momentos o gore faz torcer o nariz dos mais sensíveis, os fãs do artifício esfregam as mãos. Desde “Bone Tomahawk”, de S.Craig Zahler o bang bang e a sangueira não casam tão bem.

Importante notar como a alegoria ao imperialismo “gringo” é construída, pois os personagens estrangeiros não exitam em colocar os “latinos” em seus devidos lugares e a recompensa pelo complexo de vira-latas é amarga como bem sabemos, faltava desenhar. Não falta mais.

Filme de gênero, forte e insano. Algumas escolhas estéticas e de mise en scène acabam até por fazerem lembrar “Mad Max: Fury Road” mas não se engane, o produto aqui é genuíno de verdade. É um filme sobre sobrevivência e resistência do bicho homem frente ao poder sabe se lá de quem. É a tentativa de união de um pequeno coletivo contra um inimigo sem rosto e intimidador. Nada muito diferente da realidade, pois são tempos difíceis no Brasil. Serão ainda mais difíceis em Bacurau.

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Bruno Burinetti
Me Desculpe, Dave

Viciado em cinema, futebol e birosca. Pai do Arthur da Maria Clara e do Thor. Marido da Paula e hater de azeitona.