Crítica: A Música da Minha Vida , direção Gurinder Chadha

Bruno Burinetti
Me Desculpe, Dave
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3 min readSep 20, 2019

Impossível cravar um só conceito pra definir com palavras qual a função da arte. Do cinema, da música…dos dois juntos. Mas quem foi atropelado por ela sabe bem o efeito e deve imaginar o quão difícil é traduzir esse sentimento para as telas. Às vezes acontece de conseguirem, como no filme da diretora inglesa (de origem indiana) Gurinder Chadha, “A Música da Minha Vida”(“Blinded by the Light”, no original).

A história pega pela mão o jovem descendente de paquistaneses Javed (Viveik Kalra) e o leva ao encontro de toda a sorte de infortúnios que um jovem dessa origem pudesse passar na Inglaterra do ano de 1987, com o Tatcherismo em pleno funcionamento. Vivendo com os pais e duas irmãs em uma casa com regime tradicional aos costumes do país de origem da família, o garoto sofre pare se encontrar como indivíduo. Seu melhor amigo Matt (Dean-Charles Chapman) é cool, tem banda e namorada, coisas inatingíveis para ele até então, seu dinheiro ganho em um trabalho temporário vai para a mão de seu pai Malik (Kulvinder Ghir), que controla o lar com mão de ferro e coração amargurado. Força da natureza agindo no corpo via hormônios e deslocamento social: Nasce uma rebeldia incontida, sem um desafogo para aliviar. Falta um símbolo para se identificar. Faltava.

Quando Javed literalmente tropeça em Roops (Aaron Phagura) ele finalmente encontra um amigo com obstáculos e sonhos em comum. Dessa aproximação finalmente lhe é apresentado Bruce Springsteen e aí sim as correntes começam a ruir. Aos poucos, é verdade, mas de forma definitiva.

A escolha estética da pedrada que é a obra de Bruce na mente do personagem central se mostra acertadíssima. Uma tempestade de emoções, as letras das canções rondando seu corpo, virando adorno da mobília, da rua, dos muros…da vida.

A partir daí o segundo ato foca nas mudanças internas e externas vividas por Javed, desde a óbvia mudança do figurino (passando de roupas com cores menos vivas e indo para coletes e bandanas bem ao estilo de Springsteen) até sua nova colocação social. Agora ele enfrenta quem atravessa xenofobia em seu caminho e tem confiança para se aproximar da garota que lhe atrai. Tudo isso encorajado pelas músicas do “Boss”.

Se em momentos que o gênero “musical” se faz mais presente e a narrativa se sustenta com charme, outros em que o protagonista simplesmente recita letras de suas canções favoritas, soa repetitivo e até um tanto quanto artificial. Soa disperso o amadurecimento do rapaz: estaria ele crescendo a partir de um ponto ou só sob forte influência artística? O longa não te deixa sem essa resposta, porém ela vem de forma um tanto quanto abrupta. Isso sem mencionar a figura do vizinho sábio (David Hayman), cliché desnecessário.

Em ano de homenagens a Elton John com o cheio de tintas “Rocketman” e Beatles com seu comfort movie “Yesterday”, Bruce Springsteen também ganha um tributo a sua altura. Se a fita aqui peca em apelar para um lugar comum sem aparente necessidade, ela acerta em dar uma das respostas possíveis para quando se é perguntado qual a função da arte ou mesmo reajustar a pergunta: Qual a função da arte NA SUA VIDA? Para essa, Javed provavelmente tem a resposta.

Nota: ★★★★

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Bruno Burinetti
Me Desculpe, Dave

Viciado em cinema, futebol e birosca. Pai do Arthur da Maria Clara e do Thor. Marido da Paula e hater de azeitona.