A campanha eleitoral na internet em 2014: o que deu certo e o que ainda pode melhorar

Alexandre Secco
DeepContent
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8 min readJul 1, 2015

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Por Alexandre Secco

A campanha presidencial de 2014 no Brasil foi um grande evento na internet. Basta dizer que o tema foi o terceiro mais importante no ranking global do Facebook naquele ano. No Brasil até pouco tempo atrás acreditava-se que não existia campanha política longe da televisão. A história começou a mudar lentamente, quando os políticos perceberam que podiam perder as eleições por causa da internet, especialmente quando era usada para espalhar denúncias e vídeos. Hoje, muitos querem saber o que fazer para ganhar e há um incentivo adicional para isso. Os principais financiadores de campanhas políticas no Brasil estão sendo acusados de envolvimento em esquemas de corrupção e os candidatos já esperam encontrar as torneiras secas quando começarem a campanha para valer no ano que vem. Sem dinheiro para grandes produções, os estrategistas devem se voltar para a internet. Do seu lado, o eleitor também aprendeu a enxergar a web com outros olhos, especialmente a partir das grandes manifestações organizadas pelas redes sociais, que levaram centenas de milhares de pessoas para as ruas em junho de 2013. Provavelmente, será difícil ignorar o papel da internet em campanhas daqui para frente. O texto a seguir enumera o que deu certo e o que não funcionou muito bem nas estratégias de marketing nas campanhas digitais em 2014. É uma tentativa de refletir sobre a organização das campanhas e sugerir caminhos para o seu aperfeiçoamento, a partir do que vimos e do que fizemos. Desde 2010, nossa agência, a Medialogue Digital, desenvolveu estratégias para duas campanhas presidenciais, disputas para governos estaduais, senado e eleições municipais.

Foi mal

Obama: Fetiche

Obamização — Os principais candidatos na disputa presidencial de 2014 perceberam que a famosa estratégia digital que ajudou a eleger o presidente Barack Obama em 2008 não pode ser simplesmente copiada no Brasil. Aécio Neves, candidato do PSDB, sequer utilizou a internet para arrecadar doações. A presidente eleita Dilma Rousseff e sua rival Marina Silva bem que tentaram, mas arrecadaram menos de 0,3% das doações na internet. Brasileiros estão acostumados a fazer transações financeiras pela internet, mas historicamente poucos cidadãos se dispõem a dar dinheiro para políticos. Quem financia as campanhas no país são as empresas que têm contratos com o governo. Outro fator decisivo na campanha de Obama foi o uso do Facebook para promover encontros e eventos de campanha. No Brasil, plataformas digitais criadas com esse fim reuniram apenas alguns milhares de eleitores, geralmente pessoas diretamente ligadas aos candidatos. Na terra de Barack Obama, desde cedo as pessoas se acostumam a participar de grêmios e associações. O Facebook apenas estimulou e facilitou a realização de encontros em um momento em que as pessoas estavam ávidas para discutir os rumos de seu país. De qualquer forma, longe da sombra de Obama, as equipes de marketing digital puderam buscar seus próprios caminhos.

Social CRM — Algumas campanhas fizeram um enorme esforço para adotar estratégias em linha com o que existe de mais moderno nessa área, especialmente a de Aécio Neves. Porém, elas esbarraram num problema quase instransponível. No Brasil os partidos não possuem listas confiáveis com informações sobre seus eleitores e poucos são os políticos que se esforçam para criá-las. Além disso, muitos utilizam critérios ultrapassados, baseados em classificações ABC. Em resumo, sem listas e sem conhecer direito o perfil do eleitorado, mais uma vez os candidatos não foram capazes de entregar mensagens segmentadas para os eleitores. Há um outro detalhe que dificulta a vida dos políticos brasileiros. A legislação do país é bastante restritiva em relação ao uso de mensagens de e-mail e SMS, o que certamente desestimula investimentos nessa área.

Precisamos ter certeza de que você não é um robô

Robôs, fakes e cia — O zunzunzum dos robôs rondou a eleição do começo ao fim. Embora ninguém tenha demonstrado sua efetividade, as dúvidas contribuíram para turvar a conversa sobre a ética na campanha pela internet. O que se sabe é que os robôs tiveram bastante trabalho. Meses após a eleição, um documento que vazou para os jornais e foi atribuído ao ministro de comunicação do governo Dilma Rousseff sugeriu que seu partido teria usado esse mecanismo para promover debates na internet. O ministro foi demitido do cargo logo após o episódio.

Os temas brasileiros — Segundo uma pesquisa realizada pela Medialogue Digital, em menos de 10% das conversas que mencionaram os nomes de Aécio Neves ou Dilma Rousseff em posts na internet, os brasileiros dedicaram-se aos grandes temas de interesse do país como economia, desemprego, segurança, saúde, etc…

Multiplataforma, crossmedia e transmídia — Mais uma vez, foi como se os candidatos fizessem duas campanhas, uma para a televisão outra para a internet. Quase todas as possibilidades de integração foram desperdiçadas ou mal utilizadas. O eleitorado, por sua vez, se mostrou muito à vontade transitando por diversos canais. O Twitter foi mais usado pelos eleitores durante os debates entre os candidatos promovidos pelas redes de TV.

Respeito pelos candidatos — Xingamentos, acusações sem provas, envolvimento de familiares, disseminação de boatos e um tom exageradamente agressivo perturbaram quem só queria usar as redes sociais para se informar e participar. A forte polarização entre Aécio Neves e Dilma Rousseff esquentou os ânimos de ativistas de lado a lado, produziu um clima constante de tensão e em muitos momentos afastou as pessoas da discussão.

Respeito pela verdade — Os candidatos não foram bons exemplos de transparência. Em vários momentos foi difícil levar as conversas a sério.

Os candidatos — Nenhum dos candidatos demonstrou claramente que apostava na internet, nem que estava se dedicando de verdade para falar com os internautas. De um modo geral, a presença dos candidatos parecia forçada e envergonhada. Ainda não foi dessa vez que se viu no Brasil os candidatos usarem a internet para se aproximar dos eleitores.

Interatividade — Foram raras as tentativas de construir diálogos diretos entre candidatos e eleitores e poucas levadas realmente a sério. Logo no começo da campanha o candidato Eduardo Campo convidou internautas para um chat pelo Twitter e acabou desmoralizado quando se descobriu que seus assessores assumiram seu lugar no bate papo.

Blogosfera — Sumiu. Segundo um estudo da Medialogue Digital, menos de 2% das conversas sobre os candidatos foram geradas em blogs.

Criatividade — As campanhas fizeram o arroz e feijão, como se diz no Brasil. Ou seja, nada de especial. Criaram-se joguinhos sem uma estratégia para incorporar games à campanha. Inventaram plataformas de engajamento que ficaram às moscas por falta de estratégias para envolver os eleitores, usou-se redes alternativas como Vine e WhatsApp sem a menor convicção.

Instagram, Pinterest, Vine, LinkedIn, Tumblr, Buzzfeed, etc — Quase todos os candidatos em algum momento tentaram explorar outros canais mas a conversa ocorreu mesmo no Facebook e Twitter. É um fato que no Brasil há pouca vida fora desses canais. Porém, não se viu nenhum grande esforço para conquistar eleitores fora de lá.

Eles ficaram tímidos

Nanicos — Os candidatos Eduardo Jorge, Luciana Genro e os outros nanicos que disputaram a presidência costumavam fazer sucesso em suas participações nos debates da TV provavelmente porque não sentiam o peso da disputa e podiam ser mais ousados e provocativos em suas declarações. Curiosamente, ele se mostraram quadradinhos e bem empacotados como todos os demais em suas campanhas digitais. Justo eles, os que mais tinham a ganhar com um posicionamento mais ousado.

YouTube — Os vídeos fizeram algum sucesso, mas no Facebook. Os canais dos candidatos no YouTube funcionaram apenas como um depósito de mídia.

Foi bem

Participação — Os brasileiros participaram em peso do debate eleitoral nas redes sociais. A eleição no Brasil foi o terceiro tópico mais discutido no ranking global do Facebook em 2014.

Construção de canais — Sites, blogs e outras canais de campanhas foram bem construídos e funcionaram bem em dispositivos móveis.

Vídeos depoimento — O uso de vídeos, de modo geral, foi muito pobre, sem nada de especial produzido para a linguagem da web. No entanto, foram bem utilizados e fizeram sucesso quando usados para apresentar depoimentos de artistas e famosos.

Tuitaços — Os tuitaços foram usados pelas duas principais candidaturas especialmente para divulgar os debates na televisão. Em um único dia chegou-se a registrar mais de 500 mil tuítes mencionando os nomes de algum dos candidatos.

Conteúdos — Nada especial, mas destaca-se a tentativa de se oxigenar o debate na rede com games, ilustrações e outros recursos multimídia.

A rede não tolerou a censura

Respeito pela “cidadania digital” — Mesmo em um ambiente extremamente tenso, a rede não tolerou manifestações sexistas, racistas e outras tentativas de disseminar o ódio contra grupos e minorias. Pelo contrário, em alguns momentos uniu-se contra os agressores, como no caso do jogador Tinga que foi vítima de racismo em um jogo e acabou envolvido por uma corrente de solidariedade puxada pela presidente Dilma Rousseff.

Divulgação de agendas e eventos de campanha — No Brasil são poucos os veículos de mídia tradicional que têm estrutura para seguir o dia a dia de um candidato em uma disputa presidencial. No passado, as empresas chegavam a colocar jatinhos à disposição dos jornalistas que trabalhavam na cobertura de campanhas. Mas esse tempo ficou para trás. Hoje as redações economizam até em passagens aéreas. A internet e as redes sociais cumpriram muito bem esse papel e nada se perdeu da rotina dos candidatos.

A velha mídia ainda pulsa e apita

Mídia tradicional — A rede não conseguiu gerar seus próprios assuntos. Cerca de 80% de toda a discussão girou em torno de informações divulgadas pelos veículos da mídia tradicional.

Facebook e Twitter — Concentraram mais de 95% de toda a discussão.

Memes — A enxurrada de memes sobre os candidatos ajudou a quebrar o clima de tensão e descontraiu o debate nos momentos mais críticos apesar das mensagens que muitas vezes ultrapassaram os limites do bom gosto.

WhatsApp — Não se conhecem os números do papel do WhtatsApp, mas é difícil encontrar quem não tenha usado a ferramenta para falar de eleição.

Onipresentes: os ativistas de todos os debates

Ativistas — Difícil quem não tenha visto pelo menos um post assinado por nomes como Coronel do Blog, Turquim5, Felipe Neto, Irmã Zuleide, Blog do Pepe, SakaSakamori, entre uma centena de outros que participaram diariamente da conversa.

Até a próxima. Com mais conteúdo. Mais digital.

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