O dia em que o Google teve o futuro do Brasil nas mãos

Alexandre Secco
DeepContent
Published in
5 min readAug 11, 2015

Recentemente o Facebook recusou um pedido do ex-presidente Lula para remover uma comunidade que pede a sua morte. Em um caso emblemático, o Google só removeu um conteúdo considerado ofensivo após a prisão de seu presidente no Brasil, por ordem de um juiz federal. Detalhe, até o último instante o Google sustentou que a determinação da justiça não podia ser obedecida por razões técnicas. Papelão. Em uma série de casos polêmicos, o Twitter negou-se a revelar, sem autorização judicial, as identidades por trás de perfis usados para promover atos racistas e manifestações de ódio.

Eles estão olhando

Doença pré-existente — São histórias mais ou menos controversas, que comportam análises variadas sobre liberdades e direitos individuais. Porém, todas parecem levar a uma mesma indagação: nossa vida está segura nas mãos de titãs como Facebook, Google ou Twitter? Nós não estaríamos colocando a cabeça na boca do leão a cada novo tuíte? Hoje há um batalhão de gente trabalhando para transformar informações que oferecemos grátis em dinheiro gordo. Google, Facebook e cia tornaram-se megavendedores de propaganda usando nossos dados para fazer anúncios sob medida. Quem diria, não é? Empresas tão moderninhas afinal vivem da velha publicidade. Dos reclames, como dizia meu avô. Outras empresas buscam utilidades mais perigosas para esses dados, como uma operadora de saúde que vasculhou posts no Facebook para embasar sua decisão de negar tratamento médico a uma segurada alegando uma doença pré-existente. De arrepiar.

Teorias conspiratórias — Ultimamente eu venho tendo a impressão de que esses grandalhões usam e abusam de suas intrincadas normas de uso e de sua condição de monopolistas para tratar as pessoas com uma taxa de respeito abaixo da recomendada pelos códigos de civilidade. Se não as pessoas, pelo menos as informações que elas oferecem gratuitamente a cada post. O fato é que essas empresas estão ficando tão grandes, que nada mais parece escapar do seu campo gravitacional e isso dá medo. Veja bem. já existem fatos além das teorias conspiratórias. As revelações do espião terceirizado Edward Snowden, por exemplo, sugerem que todas essas empresas estavam muito alinhadas ao governo americano na bisbilhotice internacional. Mas cidadãos comuns também parecer estar no alvo. Descobrimos recentemente que o Facebook interferia deliberadamente no humor dos usuários da rede alterando conteúdos apresentados no feed. O que mais? Que diabos estão esses caras estão fazendo?

A esquerda e os jornais — Falar mal do Google e do Facebook não costuma pegar bem. Quem faz uma crítica logo vai desfiando o rosário a respeito das maravilhas da internet e das redes sociais. Sinceramente, isso está ficando meio ridículo. Google, Apple, Amazon, Twitter e Facebook são mamutes, com faturamento e lucro bilionário, são donos de alguns veículos de informação mais influentes do mundo, como o Washington Post comprado pela Amazon, sabem se relacionar com o governo e podem se defender sozinhos. Deveríamos ter com essa gente um relacionamento de profunda desconfiança. No mínimo. Aliás, é de fazer rir que as esquerdas ainda procurem o contraditório nas redações de jornais.

Consequências irreversíveis — Tive uma experiência profissional nessa área, nas eleições de 2010. Nessa época nós trabalhávamos para um dos principais nomes que concorriam ao pleito presidencial. Em um trabalho comum de monitoramento, identificamos alguns textos travestidos de reportagens que faziam especulações graves sobre a religiosidade do candidato. Em pouco tempo, o assunto se espalhou pelas comunidade evangélicas, causando um enorme ruído e muitos questionamentos e dúvidas. A direção da campanha avaliou que a o assunto poderia trazer consequências irreversíveis. Estávamos falando de uma mudança de rumo nas eleições presidenciais e, consequentemente, do Brasil.

O futuro do Brasil — Era fundamental agir para limitar o acesso a essas referências na internet, enquanto a equipe atuava em outras frentes. Em algum momento, alguém da equipe alertou: o Google tem o futuro do Brasil nas mãos. Parece exagero, mas em retrospectiva vejo que o temor tinha algum fundamento. Era uma discussão religiosa conduzida em praça pública, em um país devoto, em um canal relativamente desconhecido para as equipes de marketing político: as redes sociais (estávamos nos tempos do Orkut). Normal que aquilo produzisse um clima de tensão que nem os algoritmos do Google, nem seus burocratas tiveram a capacidade, ou a paciência, para compreender.

Estresse google traumático — O Google encaminhou a questão com a mesma empáfia e burocracia que vim a experimentar outras vezes. Na campanha, em algum momento chegamos a apelar a uma estratégia ridícula de enviar facsímiles (eles ainda funcionavam) em letras graúdas na esperança de que nosso apelos não ouvidos, pelo menos fosse vistos boiando sobre um aparelho de fax. Para encurtar a história, o drama foi resolvido offline. Apresentou-se a questão para a imprensa e os ataques foram abordados pelo candidato em seu espaço no horário eleitoral. Felizmente, essa exposição na mídia não atiçou a curiosidade para o assunto, como costuma ocorrer nesses casos, e a história acabou controlado sem deixar maiores prejuízos, a não ser uma espécie de estresse google traumático.

Só uma mordida não faz mal

PS.: The internet is not the answer é um grande livro para explorar mais o assunto.

Alexandre Secco é jornalista dos tempos em que as redações eram lugares congestionados. Hoje toca a medialogue.com.br.
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