O drama de ser brasileiro "numa hora dessas"

Alexandre Secco
DeepContent
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5 min readJun 20, 2016

A coisa mais cínica a ser dita a alguém que perdeu o emprego, ou que já recebeu sinais de que perderá, é “não tenha medo”. Vale também para quem vê a crise levando seu negócio para o brejo e outras variantes do drama de ser brasileiro numa hora dessas. Quem não tem medo? O mundo está desabando, coisas feias estão acontecendo e a sua parede já começou a rachar; desemprego, inflação, ministros caindo de maduros. De bate pronto, o medo protege despejando uma dose a mais de adrenalina no sangue e ajuda a manter a vigília, isso sem falar em outras vantagens filosóficas — como uma deixa para repensar a vida e decidir que isso nunca mais vai acontecer. Então, apavore-se, entre em pânico! Só não perca (definitivamente) a cabeça porque há uma chance, remota, de sair dessa melhor do que se entrou. Acima de tudo é bom lembrar: essa é uma nação de otimistas!. Vive-se aqui, carreiras são construídas aqui, montam-se negócios aqui no Brasil!. Apesar da maldita crise, coisas boas devem acontecer. Queda no PIB? Desemprego? Crime? Corrupção? São apenas detalhes para tornar nossas vidas mais excitantes. Ou, pelo menos, é assim que aprendemos (ou fomos condicionados) a ver as coisas. Deus salve o empreendedor brasileiro, o trabalhador, os pais de família! E que o medo os ajude a ficar acordados e atentos!

Está certo que esse brasileirismo todo enche um pouco o saco. Seria mais fácil acordar e ir trabalhar sem precisar recorrer a artifícios motivacionais a cada nova manhã. E pensar que até outro dia o Brasil era a bola da vez, vieram até gravar Velozes e Furiosos aqui no Rio de Janeiro. Outro filme, Os Mercenários, aquele do Stallone, também passou por aqui. Ganhamos até desenho animado do Blue Sky Studios ambientado no Rio de Jeneiro. O mundo havia nos descoberto! E muito melhor do que isso, estava trazendo seu dinheiro e seus empregos. Coisa fina. Até outro dia tudo parecia bonito feito o Carnaval. Mas o Brasil é assim, entra em decadência antes de chegar ao auge. Nossa vantagem é estarmos acostumados aos solavancos, preparados para o pior. Quer saber das notícias: imagine o pior e provavelmente acertará. Em vez da Folha de S. Paulo pela manhã, melhor praticar meditação.

Como se diz no futebol, é hora de se apegar aos fundamentos. No fundo, no fundo, todo mundo sabe o que tem que fazer para enfrentar mais essa crise brasileira. Na adolescência aprendeu sozinho, na solidão do seu quarto, a lição de auto-ajuda mais eficiente da sua vida e nunca mais esqueceu. Fazer negócios, na maior parte das vezes, é só uma questão de bater portas: quanto mais portas para bater, mais negócios para fechar. É científico. É assim que se vendem terrenos na lua, pílulas milagrosas para se obter extremidades mais longas, etc, etc..

Se fazer negócios no Brasil é coisa de gente louca em tempos de pibão, na crise só com uma faca entre os dentes e granadas na mãos. Sua equipe, sua família, todo mundo precisa saber da verdade.
— “Amigão é assim: se está com sede, aqui tem que pegar água no poço, se quer comer, aprenda a depenar o frango”.

Nem todo mundo têm o hábito de se entregar a livros de negócios. Eu que já cometi esse crime andei aprendendo teorias que a prática insiste em confirmar, as grandes obviedades que, de tão óbvias, tratamos de ignorar. Quem abre as portas de um negócio precisa enlouquecer em busca de resultado, quem arruma emprego e quer uma cadeira Aeron também. Resultado. Resultado. Todo mundo precisa entregar resultado. Toda hora. Do porteiro ao CEO. De que resultado estamos falando? Grana, parceiro — (imagine o conselho na voz do capitão Nascimento). Grana. Se a analista júnior não está pensando no lucro da empresa, rua! É mais ou menos isso que existe atrás do lero-lero sobre desenvolvimento profissional que os RHs gostam de repetir com a cara lavada. Aqui no Brasil ninguém vem para apreciar o rio Tietê, viver a segurança das ruas, as boas escolas….Quem topa morar na selva está em busca de petróleo.

Uma boa ideia para esses dias é arrumar encrencas e confusões! Já está tudo tão bagunçado que os erros devem passar batido e os acertos poderão ser comemorados. Fazer bobagem, errar e, sobretudo, ralar para acertar. Só tem uma coisa. Hoje todo mundo vive um pouco nesse caldo de cultura de startup. Valoriza-se tanto o erro que muita esquece que uma hora também é preciso acertar. Precisa brilhar, mudar de endereço, contratar gente, fazer coisas, criar, ganhar…dar resultado! Para isso, parceiro, uma hora é preciso acertar. Qualquer um que acerta já faz uma grande confusão.

O mundo dos negócios é misterioso. O sucesso vem para gente brilhante e também para os idiotas. Um dia um cara chamado Peugeot monta uma fábrica de moedores de pimenta e termina em uma das maiores montadoras de carros do mundo, o outro inventa um fritadeira de batatas e mais tarde revoluciona o design industrial e a forma como o mundo se relaciona com a música com uma coisa chamada Walkman. Sim, muito antes do iPod! Parece que, dentro de certos limites, não existem impedimentos para se tentar fazer mais, melhor ou diferente. Gênios sabem fazer diferente, caprichosos fazem melhor e os limitados precisam fazer mais. Acho que é só isso. O diabo é que o cara lê a história do Steve Jobs e passa dez anos esperando uma ideia, quietinho, sem fazer confusão.

Pois é, agora, enquanto as coronárias são fortes, é a hora de enfiar um pouco mais de estresse na vida. Brasileiro aguenta. Em uma hora dessa,dizem os manuais, o estagiário precisa ser motivado, um cara tem que motivar o outro, a esposa tem que botar pilha no marido, tem que ter um clima de cobrança de resultado, de energia e vibração. Depois, quando bombar, todos estaremos liberados para voltar a acreditar. E que venham os frangos.

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