Por que um jovem inteligente e talentoso escolheria fazer carreira no jornalismo?

Alexandre Secco
DeepContent
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5 min readJul 3, 2015

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A profissão perdeu a graça, o passaralho assombra as redações, os salários estão ruins e a jornada de trabalho é longa. Onde achar diversão nisso?

O advogado de 10 milhões e o jornalista de 500 reais — Eu me formei em jornalismo e direito, o que realmente nunca teve importância alguma exceto por algumas portas que se abriram graças a essa dupla jornada acadêmica — ou semi-acadêmica, considerando as deficiências de um curso de jornalismo. Pela fresta de uma dessas portas eu consegui observar a evolução profissional dos meus colegas nas duas carreiras. Em vinte anos, os códigos mudaram pouca coisa e, na essência, o trabalho do advogado é o mesmo. Mas em outras áreas as coisas mudaram bastante. Advogados ganharam muito dinheiro turbinados pelas reformas trazidas pela Constituição de 1988 e pela abertura da economia brasileira. Até os criminalistas, que nos meus tempos de estudante eram os patinhos feios e pobres da advocacia, encontraram o caminho dos milhões na defesa de gente enrolada em CPIs e investigações da Polícia Federal. Conheço um que se locomove de helicóptero entre sua casa em São Paulo e a fazenda no interior, outro fez uma festa de casamento na Itália, a custo zero para seus convidados, inclusive passagens e hospedagem. Coisa fina. Um outro gastou quatro milhões de reais para só para reformar a sala de reunião. Quatro milhões de reais. Por aí vai… É o Direito ostentação, como diz um amigo. Nesse mundo, pelo trabalho de defender um cara fisgado pela PF cobra-se até 10 milhões de reais. A hora de um bom advogado custa até R$ 3 mil reais, três vezes a consulta de um cirurgião cardíaco top de linha.
E quanto um jornalista ganha para fazer um frila? Uns 500 reais. E o salário depois de uns dez anos de formado, na média, fica em torno de cinco mil. E quanta ganha, no máximo, um jornalista? Na verdade, não muito. E se você pensar bem é merecido. Tanto para o advogado, quanto para o jornalista.

Salvo pelo pão de mel — Quando falo com uma turma e outra, sinto que o pessoal do Direito, na média, está mais rico e mais feliz. Meu colegas jornalistas contam as histórias mais amargas e empobrecidas. Tem gente que perdeu o emprego e só achou o sustento da família indo para cozinha de casa fabricar pães de mel para vender aos amigos e parentes. Evidentemente, não existem profissões ruins ou boas. O jor-na-lis-ta (como gostam de acentuar) Roberto Marinho ergueu seu próprio castelo. A lista de empresários do tipo famosos-e-bem-sucedidos que nem chegaram a esquentar o banco da escola superior é bem longa, a começar pelo fetiche maior de todos Steve Jobs. O problema é que não dá para avaliar o negócios e carreiras por seus extremos. Como algum esperto já disse e outros trezentos adaptaram: a temperatura média de um sujeito com a cabeça no forno e os pés no freezer é…morto.

O fundo do poço — Existem conjunturas mais ou menos positivas para que o talento individual desabroche e encontre uma oportunidade para mostrar seu valor. Uma virtuose ao piano tem mais chances de chegar ao Carnegie Hall nascendo aqui no bairro do Tatuapé do que um outro nascido em Mogadíscio. Confira sua própria história familiar. A vida dos engenheiros civis no Brasil foi muito difícil entre os anos 80 e 90, quando o país quebrou e os canteiros de obras foram praticamente abandonados. Os advogados também viveram no aperto durante os anos em que o Brasil foi comandado por generais, porque é da natureza das ditaduras inibir o contraditório. Encurtando a história, todo mundo vive altos e baixos e parece que agora é a vez do jornalismo provar a água barrenta do fundo do poço.

O círculo vicioso do fim do jornalismo — No Brasil, as redações acordaram com o fim da ditadura, chegaram ao auge do poder e influência na primeira década dos anos 2000 e de lá para cá vem despencando ladeira abaixo. Dia desses uma das redações mais importantes do país discutia como economizar em passagens aéreas. A conclusão: suspendam as viagens!. É uma tristeza só. Nada simboliza melhor essa agonia do que a Editora Abril. Quando no Brasil ainda se fazia jornalismo na base do toma-lá-dá-cá, a Abril separou o comercial da redação, criou alicerces para a prática do jornalismo isento e tornou-se uma das empresas mais rentáveis e influentes do Brasil. Mas a Abril foi atingida pela mesma descarga digital que devastou o mercado de jornais, revistas e da chamada velha mídia mundo afora. Em crise profunda, há quase três anos a empresa vem sendo desmontada enquanto se busca um comprador ou a descoberta da poção mágica que lhe devolverá a altivez. Time Magazine, The New York Times, Washington Post, Folha de S.Paulo, Estadão, em maior ou menor grau todos sentiram o baque. A conta da transição para a economia digital ainda não fecha, as redações demitem, a média dos salários cai e o produto vai piorando. O negócio vai perdendo a relevância e fica cada vez menos interessante aos olhos dos jovens mais inteligentes e ambiciosos. Assim vai se instalando o círculo vicioso do fim do jornalismo: por falta de estímulo e de talento. Padres, professores (pelo menos no Brasil) paleontólogos e jornalistas trabalhariam felizes da vida ganhando caraminguás de pudessem compensar a penúria financeira com condições adequadas para exercer seu ofício. Mas, aparentemente, tais condições parecem estar em processo de revisão.

Felizmente, não há razão para lamentações — Fabricantes de carroças, rádios, máquinas de escrever, canhões, chapéus, cigarros e um monte de outras coisas um dia também já observaram o mundo do alto da montanha. Foram todos trocados por coisas melhores! Essa é a boa notícia. Jovens talentosos ainda têm a medicina, o direito, a engenharia, a indústria de games. Até a cozinha parece oferecer mais possibilidades de realização. Quanto ao jornalismo, sem pagar salários decentes e sem oferecer desafios profissionais a altura de gente esperta…difícil pensar no que isso vai dar.

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