Seria um pecado perguntar qual é sua opinião?

Alexandre Secco
DeepContent
3 min readFeb 1, 2016

--

Eu sou a favor do porte de armas, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, do direito ao aborto, da descriminalização da maconha e de um modelo de cotas raciais — só que um melhor do que esse que está aí. Sou contra a pena de morte e a favor da redução da maioridade penal. Acho que igrejas deveriam pagar impostos e que o Bolsa Família do PT deveria ser substituído por um programa de transferência direta de renda com propósitos mais elevados e avaliação sistemática através de indicadores de eficiência porque é social mas não precisa ser perdulário.

Na vida real todo mundo é contra ou a favor de muitas coisas. Mas políticos não parecem habitar esse mundo e, talvez por isso, nunca se sabe direito o que passa pela cabeça deles. Inventamos a política sem opinião. Uma espécie de filme para adultos em que os atores só aparecem vestidos. Ninguém revela nada. Isso não pode ser bom para ninguém.

Falta de opinião é uma traço bem ao gosto dos políticos brasileiros. Veja o prefeito paulistano Fernando Haddad. Sabemos mais ou menos o que ele pensa sobre as ciclovias. Mas e sobre o Uber? Sobre o trânsito? Os motoboys, a cracolândia, a qualidade do ensino nas escolas públicas… Ninguém sabe muito bem o que ele acha. Nosso governador, o tucano ensaboado Geraldo Alckmin é outro bom exemplo. Alguém se lembra de alguma posição marcante sobre problemas gravemente paulistas como o envolvimento de policiais em chacinas? Sobre economia de água no meio de uma estiagem histórica? Hun…

Aqui no Brasil, a união de forças entre o marketing político tradicional, candidatos e governantes conseguiu transformar em arte a técnica de se equilibrar sobre duas ou mais canoas. É admirável o tanto que se fala, sem que nada seja dito.

Muro por obrigação — Alguns deles têm um ponto a seu favor. Os presidentes e os postulantes ao cargo têm seus bons motivos para empacotar seus discursos em generalismos porque precisam falar com quase todos os brasileiros, evangélicos, católicos, gays, heterossexuais, etc, etc… Na verdade, eles têm uma certa obrigação de se manter sobre o muro, pois prefere-se que sejam mais juízes do que sindicalistas.

Mas para todos os demais, agora essa estratégia está em cheque. O discurso político nunca foi muito empolgante, mas antes eles encontravam formas de nos empurrar o blá-blá-blá e a conversa sem sal goela abaixo, apelando-se a artifícios como a Voz do Brasil e o horário eleitoral gratuito.

Hoje as pessoas nunca foram tão livres para escolher e jamais tiveram tantas opções para se informar e para se entreter. Entre o streaming do Jornal Nacional e o site do deputado José da Silva, onde você clica primeiro? A internet está mudado mais esse jogo.

A lição dos boquirrotos — Bolsonaro, Feliciano e Tiririca, para ficarmos em algumas poucas estrelas da polêmica, ganham as manchetes só porque expressam opiniões. Fazem isso de uma forma quase sempre estridente e preconceituosa. Mas fazem o que poucos políticos estão fazendo. Eles irritam porque parecem fazer tudo na medida para provocar, e caçar espaço na mídia.

Tudo bem, mas onde está a opinião sensata para contrapor com ideias esses excessos de retórica?

Alexandre Secco é jornalista e sócio da Medialogue Digital. É especialista em comunicação digital. Coordena o comitê de marketing político digital da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais). Passou por Exame, Veja e Folha de S.Paulo. secco@medialogue.com.br

--

--