Nem todo plano B é igual

Quem tem plano B não tem plano A

Alexandre Secco
DeepContent

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Bons conselheiros de norte a sul dizem que todo mundo precisa ter um plano B e muita gente perde o sono pela falta de um. Na teoria, um plano B funciona como um bote salva-vidas, para ser usado em caso de fogo no convés das carreiras. Mas, para ser obter um bom plano B, há alguns pré-requisitos. Seguindo na comparação marinha, o bote precisa estar bem provisionado e equipado, pronto para levar o passageiro em segurança até um novo mundo, onde será possível recomeçar e, quem sabe, acelerar e prosperar.

A elaboração de um bom plano B, portanto, exige trabalho de pesquisa, dedicação, preparo, coragem e, como em quase tudo nessa vida, uma dose de oportunismo — especialmente para saber a hora certa de coloca-lo em prática. A recompensa, no entanto, pode ser grande. Com um plano B nas mãos, o gerente administrativo de uma indústria farmacêutica estaria apto a inaugurar seu próprio e-commerce (área na qual nunca atuou) poucos dias depois de perder o emprego (numa área em que atuou por toda a vida). É como se a demissão desse feliz detentor de um plano B fosse apenas o rito de passagem para um mundo de novas possibilidades.

Nos tempos das carroças

Os programas de TV, as revistas e os jornais ajudam a construir o imaginário do plano B como uma espécie de bilhete dourado, porque sempre mostram a feliz história do fulano que largou o trabalho na cidade para cuidar de uma pousada na praia, de uma horta orgânica na serra, ou coisa semelhante. Existem, claro, as variantes urbanas e tecnológicas, mas, no final, quase todas atendem pelo nome de “meu próprio negócio”. Não faz diferença. Voltando ao feliz dono da pousada, o diabo é que tais histórias nunca chegam acompanhadas de estatísticas: quantas pousadas faliram? Quantos se arrependeram e dariam tudo para voltar a encarar o trânsito de São Paulo, onde o ar é poluído, mas existem restaurantes, cinemas, boas escolas e tudo mais? Não sabemos. No final do programa, resta sempre aquela sensação de que está todo mundo fazendo a coisa certa. Menos você!

Outro detalhe interessante é que os mesmos bons conselheiros do plano B dizem que, mais importante ainda — aliás, do que qualquer coisa na vida! — é o foco, a atenção integral ao que se está fazendo com o objetivo de se fazer cada vez melhor, tornar-se um mestre, etc., etc. e tal. Mas então, como alguém pode elaborar um plano B se precisa estar com a cabeça totalmente enfiada em seu plano A? Muito estranho. Pela lógica, deve acabar sem A, nem B. Lembra aquela outra frase famosa, repetida por dez entre dez especialistas na felicidade alheia: quem tem duas prioridades não tem nenhuma.

Tenho a impressão que não é fácil para ninguém dar cavalos de pau na vida profissional; dormir engenheiro de produção e acordar especialista em marketing digital; aposentar-se dos confortos que a CLT proporciona aos empregados, para assumir o posto de patrão e enfrentar os desafios que a legislação trabalhista da era Vargas impõe aos empregadores.

Todo mundo precisa de um plano

Apesar de tudo, dá para entender a fama do plano B. Essa ideia de que é preciso ter uma tábua de salvação parece ter ficado especialmente popular com o avanço de tecnologias digitais. Afinal, temos visto departamentos inteiros serem trocados por softwares e hardwares. Para ficar em um único exemplo, de uma área com a qual tenho mais familiaridade, um simples site de classificados, o Craigslist, tirou 5,4 bilhões de dólares da indústria de jornais entre 2000 e 2007. No período de 2000 a 2013, mais de duas mil empresas jornalísticas fecharam as portas, praticamente todas vítimas de concorrentes digitais mais eficientes e baratos. Por menos que os apologistas da tecnologia gostem de admitir, o fato é que os computadores botaram levas de jornalistas no olho da rua. Sorte de quem tinha um plano B…

Dizem que a tecnologia sempre multiplica as oportunidades, o que é verdade. Porém, também é verdadeiro afirmar que as oportunidades não são para todos e não necessariamente aparecerão agora, na hora que você precisa de uma. A troca das carroças pelos carros abriu um mundo enorme de possibilidades, mas durante a transição do alazão para o Ford, por quase 50 anos muitos carroceiros e suas famílias acabaram na rua da amargura. É o que vem acontecendo com muitos jornalistas formados nos anos 70, 80 e 90. O digital, sem dúvida, abriu grandes (e fascinantes) possibilidades, mas infelizmente esse trem bala deixará muita gente esperando nas estação. Nem todos os passageiros que perderam o bonde terão forças para correr atrás desse trem diferente e veloz.

Acredito que o plano B também se tornou popular por levar uma dose de ânimo e esperança a profissionais que viram (e estão vendo) seus mercados desaparecem, encolherem ou sofrerem alterações drásticas. É confortável contar com a chance de mudar de vida se tudo der errado, na pior das hipóteses é apenas um exercício lúdico e inofensivo.

Acontece que, no mundo real, provavelmente há mais oportunidades além de um simples B. Um plano A pode ser ajustado para A+, A-, AA… É impressionante como alguns motores respondem com força a uns pequenos ajustes. Pode ser, contudo, a hora exata de investir em uma mudança radical, de trocar tudo, de cidade, de carreira, de carro! Partir logo para o plano Z! O fato é que a gente ouve a toda hora , faça isso e aquilo, aprenda, ouse, concentre-se, desafie… invista no seu plano A, tenha um plano B! Mas a questão é: e depois? Por uma questão de lógica, quando assumir seu plano B, ele se tornará o A e a história vai recomeçar. Será preciso pensar em um Plano C, D, E…? Fica tudo muito, muito, muito confuso. E a ansiedade não vai ajudar em nada.

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