Medicalização da Vida Universitária

Para dar conta de cumprir as altas exigências por desempenho acadêmico, estudantes tem buscado soluções em comprimidos

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Um clique! A luz do laptop velho do João apaga. Três horas da manhã. O estrado da cama range e o corpo inquieto vira de um lado para o outro. A mente não para. — Terminar a faculdade!!! Não, pelo menos o período letivo! Conseguir um estágio legal; melhorar o inglês; turbinar o currículo; ler os artigos e livros que ficaram para trás; colocar as séries em dia; ir ao cinema assistir o próximo episódio da saga preferida; acompanhar as notícias, os escândalos políticos; responder os comentários das últimas postagens no Facebook… No final de semana, a família. João dá um pulo da cama, pega um comprimido e em poucos minutos, dorme.

Se você é um estudante universitário no auge dos vinte e poucos anos, talvez sua rotina seja parecida com a de João. Quando criança, alguém lhe exigia compromisso com os estudos, mas no momento atual você vive como se o mundo inteiro lhe cobrasse coisas.

Na época dos nossos pais ou avós a única exigência profissional era dominar bem uma área, ocupar um cargo numa empresa e ficar nele a vida inteira. Hoje é comum encontrar estudantes que não conseguem o mínimo: concluir a graduação.

Desempenho e alta performance são os termos que melhor definem o contexto atual. É preciso mais do que ter, é preciso ser. E ser requer um esforço permanente, você não pode parar. Qualquer atividade que realiza, possui um propósito bem definido: reforçar sua performance, proporcionar bons rendimentos. Você deseja ser visto nas telas do mundo, então não tem jeito, precisa atuar.

A busca por bons desempenhos nos estudos e na carreira, tem levado estudantes universitários a investirem pesado num tipo ideal. Além de dominar o campo profissional é necessário conhecer um pouco de tudo, mostrar que está apto a transitar em diferentes meios, ultrapassando com êxito situações perigosas e desagradáveis. Autosuperação marca o perfil da nova geração.

O caminho a seguir não admite fraqueza, é solitário e cobra felicidade permanente. Tanta cobrança por desempenhos e alta performance tem mostrado o pânico desses jovens com o mercado de trabalho; frustrações, desânimo e impaciência na espera por resultados. Há pouco tempo para descanso, já que a competição nesse jogo requer investimento e vigilância constante. Não por acaso, a busca por estímulos químicos cresce espantosamente entre os estudantes.

Ritalina, Rivotril, Fluoxetina, são alguns dos medicamentos mais usados entre jovens universitários quando precisam de concentração, relaxamento ou amenizar a tristeza. Diversos periódicos tem divulgado pesquisas que comprovam o crescimento de usuários se medicando com tarja preta. Em outubro de dois mil e quinze a secretaria de saúde de São Paulo informou que o número de consumidores desses medicamentos cresceu quarenta e sete por cento. Ou seja, quase novecentos mil pessoas usando antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos no período. Um estudante de 28 anos entrevistado pela Folha de São Paulo, afirmou que começou a usar ritalina, remédio para déficit de atenção, para se manter acordado e concentrado nos estudos.

A pesquisadora Mariana Ferreira Jorge da Universidade Federal Fluminense publicou em dois mil e quatorze uma tese sobre a medicalização da vida. Segundo a autora, em vez das pessoas refletirem sobre os males e as pressões do cotidiano, bem como os modos de vida hoje no mundo, preferem se adaptar quimicamente às pressões produtivas e aos imperativos de bem-estar. A pesquisadora analisa como a própria mídia estimula o uso de medicamentos tarja preta em capas de revistas e matérias jornalísticas.

Diante das demandas universitárias e da vida social é comum sentir-se um peixe fora d’água quando não consegue atingir o tão almejado Super-homem. Anestesiar as emoções ou ignorá-las através de comprimidos milagrosos é uma via possível e prazerosa. Quem não quer sentir-se seguro, bem sucedido, feliz e forte? Uns obtém sucesso na vida profissional ao fazer uso de medicamentos tarja preta, mas precisam lidar com os efeitos colaterais da droga. Outros, não se adaptam facilmente à medicação e continuam a sofrer com os dilemas da vida.

O que está em jogo nessa discussão é como a geração atual lida com o sofrimento, visto como imperfeição, desvio mental e perturbador da ordem. Não importa o motivo, sofrer é algo vergonhoso, fracassar em algum projeto é suicídio e parecer infeliz… inadmissível. Um comprimidinho “mágico” pode salvar em situações conflitantes, mas não há remédio possível que dê conta da pressão por alto desempenho ou de banir o sofrimento. Então, o melhor a fazer é aceitar que somos seres orgânicos, demasiadamente humano.

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