1 injeção=2 meses prevenide em relação ao HIV

Fer
Saúde Camarada
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4 min readJun 27, 2020

Antes de falar sobre a PrEP injetável, é importante comentar sobre a PrEP comum. Desde janeiro de 2018, a Profilaxia Pré-Exposição (a famosa PrEP) está disponível gratuitamente pelo SUS para algumas das populações chaves e prioritárias do HIV e já vinha sendo testada e usada em vários outros países com bons resultados. Sua eficácia é de fato impressionante na prevenção do HIV, pois utiliza dos medicamentos da Terapia Antirretroviral (TARV) para preparar o corpo para uma possível exposição ao vírus, impedindo a infecção e evitando mais um caso de HIV. Para isso, é necessário tomar por 7 dias para prevenir na exposição do sexo anal e por 21 dias para o sexo vaginal, sendo uma das ferramentas mais eficazes na Prevenção Combinada para HIV.

Por mais que saibamos que a camisinha, por ser um ótimo método de barreira, tem uma eficácia importante contra o HIV, ela é insuficiente. Isso porque, além do indivíduo ter que saber usar corretamente, há possibilidade de rompimento (especialmente sem lubrificação adequada) e também, apesar da baixa taxa de infecção por sexo oral, porque as pessoas não costumam utilizar camisinha no sexo oral. Também há a questão de pessoas que por vontade consciente ou vulnerabilidades sociais, psicológicas e/ou emocionais acabam por não usar. Apesar de tantos “não usos”, não há porque culpabilizar nenhum dos indivíduos que não utilizaram adequadamente a camisinha; não se adapta a pessoa à terapêutica, mas a terpêutica à pessoa.

Ao invés dessa procura de culpabilização, há a necessidade de uma saúde horizontal e acolhedora sem nunca esquecer da qualidade técnica e científica. Embora não seja o foco desta postagem (talvez numa próxima), é desta percepção da camisinha como limitada que surge a temática da Prevenção Combinada, na qual se apresenta, com orientação adequada e que dialogue com a realidade do paciente, uma série de medidas que são possíveis para se prevenir das ISTs, como, por exemplo, a camisinha, a PrEP, a PEP, as vacinas, o lubrificante… A camisinha sozinha, então, é percebida como insuficiente como política pública, pois não se aplica a todas as realidades, não previne 100% das ISTs (há ISTs com lesões em regiões não cobertas) e não se aplica facilmente à realidade do sexo entre pessoas com vagina. Logo, há a necessidade de mais estudos sobre métodos que, combinados, possibilitem uma melhor administração do risco. Voltemos então à PrEP, uma destas possibilidades.

Para isso, foi idealizada e protocolada, após grandes estudos, a PrEP, que, por via medicamentosa, impede a infecção pelo HIV caso haja exposição. É diferente da PEP, que é emergencial. A PrEP é um hábito, é um estilo de vida. Necessita de pílulas diárias ou sob demanda (antes e depois da exposição, quando há ciência de que se exporá). A PrEP sob demanda não é recomendada para mulheres trans e travestis, pois pode ter efeitos colaterais importantes pela interação com a terapia hormonal, sendo possível apenas a PrEP comum. Apesar do avanço que é a PrEP comum, a adesão ao tratamento ao longo do tempo costuma falhar, especialmente entre jovens, o que dificulta a eficácia, pois sem a dose diária a eficácia do tratamento é prejudicada.

Porém, isso não pode ser lido como desleixo ou preguiça dos jovens. Os jovens geralmente têm dificuldade de fazer terapêuticas diárias, especialmente em doenças crônicas. Um bom exemplo disto é a diabetes, pois jovens diabéticos costumam ter grandes dificuldades em seguir o tratamento como um hábito. Claro que esta baixa adesão com o tempo não está restrita aos jovens e mostra a necessidade de novas formas de prevenção. Por isso, foi executado o HPTN 083, um estudo com quase 4.600 pessoas. De maneira randomizada (aleatória), metade recebeu uma injeção com o medicamento Cabotegravir e também pílulas diárias de placebo (e a outra metade tomava uma injeção de placebo com pílulas diárias de PrEP comum. O grupo com Cabotegravir teve 12 casos de infecção, enquanto que os da PrEP diária foram 38 casos, provavelmente por não adesão adequada ao tratamento (mas não é possível afirmar ainda). Mesmo que corresponda a 1% dos participantes, serão avaliados o porquê destas infecções nos 50 participantes.

Participaram da pesquisa homens gays que não vivem com HIV, mulheres trans e travestis que fazem sexo com homem e que não vivem com HIV, por serem dois grupos chave. Apesar dos recentes resultados, adiantados por conta da pandemia, o Cabotegravir ainda não foi aprovado como droga única nem para tratamento nem para prevenção da infecção por HIV em nenhum lugar do mundo. Seus efeitos colaterais em relação à PrEP comum foram bastante similares em intensidade. Um percentual de 2,2% dos participantes que optaram por parar a profilaxia pela dor da injeção. Além disso, há um estudo adicional, o HPTN 084, que avalia a eficácia do Cabotegravir em mulheres cis, que já conta com 3.000 mulheres inscritas.

“O senso comum é de que a culpa é da vítima, que um homem gay ou bissexual e uma mulher trans pegam HIV porque querem, mas faz 38 anos que temos uma epidemia concentrada nestes grupos, e a primeira vez que o Ministério da Saúde fez algo específico para protegê-los foi em 2018, quando incluiu a PrEP no SUS, priorizando esses grupos. A melhor forma de proteção é aquela que a pessoa escolhe, por entender como funciona e achar que é capaz de usá-la correta e constantemente. Se casais heterossexuais têm hoje várias maneiras diferentes de evitar terem filhos, por que acreditamos algum dia que, para o HIV, uma forma só de prevenção, a camisinha, seria suficiente?” Rico Vasconselos, coordenador médico do centro de pesquisa da PrEP injetável na USP.

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