Um mapa da origem e destino do lixo em São Paulo

Bernardo Loureiro | Medida SP
MedidaSP
Published in
7 min readJun 30, 2019

Para onde vai seu lixo em São Paulo?

Nosso mapa mostra que mais da metade do lixo do estado acaba em cidades diferentes de onde é gerado, às vezes percorrendo até 300 km para chegar a aterros sanitários, quase todos privados.

Os dados da CETESB também mostram uma melhoria na qualidade dos locais de destino do lixo no estado. De 2011 a 2017, a porcentagem de resíduos dispostos adequadamente no estado aumentou de 84,7% para 98,0%.

No entanto, a porcentagem de lixo disposto fora das cidades de geração aumentou de 47,8% para 54,2%, e a distância média percorrida até esses aterros em outras cidades aumentou de 41,2 km para 44,8 km.

Veja nossa análise abaixo e depois explore nosso mapa interativo.

Os paulistas produzem aproximadamente 320 kg de resíduos por pessoa por ano, segundo dados da CETESB de 2017 (ano mais recente de divulgação dos dados). Isso dá um total de quase 15 milhões de toneladas de lixo geradas por ano no estado, sem considerar o lixo que é gerado em grandes estabelecimentos comerciais.

O que poucos sabem é que, em 282 dos 645 municípios paulistas, esse lixo é enviado para aterros em outras cidades, e às vezes até em outros estados. No total, mais da metade do lixo do estado de São Paulo não fica nas cidades onde é gerado.

Esse lixo que é enviado a outras cidades é praticamente todo destinado a aterros sanitários privados; menos de 0,5% dele acaba em aterros públicos.

Origem e destino do lixo: uma geografia concentrada

A partir de dados disponibilizados pela CETESB, mapeamos a origem e destino do lixo urbano para todos municípios de São Paulo. O mapa que emerge mostra também o quão concentrada é a geografia do lixo no estado: as cinco cidades que mais recebem lixo de fora lidam com 36% de todo lixo gerado no estado.

O mapa geral do fluxo de lixo no estado de SP. A espessura das setas indica a quantidade de lixo enviado. Veja a versão interativa em tela cheia.

O maior receptor: Caieiras

A primeira colocada na lista dos maiores receptores é cidade de Caieiras, localizada ao norte da cidade de São Paulo. Caieiras recebe quase 17% de todo lixo gerado no estado, ou 2,4 milhões de toneladas por ano. Para a cidade de 98 mil habitantes, isso significa quase 25 toneladas de lixo por habitante por ano.

Uma boa parte do lixo vem da capital do estado, mas Caieiras também recebe o lixo de outros 16 municípios, incluindo Franco da Rocha, Osasco e Taboão da Serra.

Lixo enviado de outras cidades ao município de Caieiras, no centro.

A maioria desses municípios ficam na Região Metropolitana de São Paulo, mas há exceções. Em 2017, Caieiras também recebeu lixo do município de Iguape, localizado a uma distância aproximadamente 220 km, no litoral sul do estado.

Caieiras recebe lixo de municípios distantes, como Iguape, no litoral sul.

O segundo colocado: Paulínia

A segunda cidade que mais recebe lixo de outros municípios é Paulínia, recebendo mais de 1 milhão de toneladas por ano. O lixo que chega em Paulínia vem de 32 outros municípios da região. Isso inclui locais que ficam a mais de 90 km de distância, como os municípios de São Pedro e Espírito Santo do Pinhal.

Lixo enviado de outros municípios para Paulínia, no centro do mapa.

Grandes distâncias

Mas há municípios que enviam seu lixo para locais ainda mais distantes. Por exemplo Mirandópolis, no oeste do estado, dispõe o seu lixo em Catanduva, que fica a quase 300 quilômetros de distância.

Rota de Mirandópolis, percorrida por caminhões de lixo até o aterro em Catanduva. Crédito da imagem: Google Maps.

Já a cidade de Casa Branca é uma das três cidades paulistas que em 2017 utilizaram o aterro da cidade de Uberaba, Minas Gerais para dispor seu lixo. A distância entre as duas cidades é de aproximadamente 300 km.

Rota de Casa Branca, SP, até Uberaba, MG. Crédito da imagem: Google Maps.

Lixo: de um problema local para um fenômeno regional

Apesar dos grandes volumes de lixo e grandes distâncias percorridas até sua disposição, os dados da CETESB mostram que um indicador vem melhorando desde o começo da década: o índice de qualidade da disposição final do lixo.

No entanto, o aumento da qualidade pode estar relacionada ao aumento das distâncias percorridas. Maiores controles e regulações ambientais levaram ao fechamento dos antigos lixões que as cidades, principalmente as pequenas, utilizavam para dispor seu lixo. Nesse contexto, surgem os grandes aterros sanitários regionais, geralmente operados pela iniciativa privada, para suprir a demanda de uma destinação adequada para o lixo.

Esses aterros particulares precisam fazer investimentos em infraestrutura necessários para cumprir as normas ambientais, e buscam cobrir o custo desses investimentos recebendo lixo de várias cidades ao seu redor. A renda desses aterros vem das taxas pagas pelos municípios para dispor do seu lixo neles.

O aterro particular em Caieiras

O lixo que chega em Caieiras vindo de outras cidades tem como destino o aterro sanitário particular da empresa Essencis, acessado pela Rodovia dos Bandeirantes.

Destacado em roxo: o aterro particular da empresa Essencis, em Caieiras. No canto esquerdo inferior, a Rodovia dos Bandeirantes. Na direita, casas do município de Caieiras. Imagem de satélite: Mapbox.
Em roxo, a área do aterro de Caieiras, sobreposta ao centro de São Paulo. Ela cobre do Anhangabaú ao Parque Dom Pedro, e da Liberdade quase até a Luz. Imagem de satélite: Mapbox.

O aterro da Essencis cobre uma área de aproximadamente 160 hectares, ou 1,6 km quadrado. Para comparação, se estivesse no centro de São Paulo, cobriria do Vale do Anhangabaú ao Parque Dom Pedro, e da Liberdade quase até a Luz.

Nos locais mais próximos, o limite do aterro fica a 200 metros de habitações em Caieiras, localizadas em uma área de alta vulnerabilidade, segundo dados do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS, 2010).

De acordo com um estudo de impacto ambiental de 2016 da Essencis, foi proposta a operação do aterro em Caieiras até pelo menos o ano de 2036, e o lixo empilhado poderá atingir até 140 metros de altura, o equivalente a um prédio de 45 andares.

O aterro particular Essencis, na cidade de Caieiras.
Um funcionário no aterro em Caieiras. Em um aterro sanitário, ao final de cada dia, todo o lixo é totalmente coberto com terra.

Para onde nós (e nosso lixo) vamos?

As tendências apontadas aqui levantam algumas questões para discussão. É óbvio que o antigo cenário em que cada cidade possuía lixões sem controles e regulações ambientais não era um modelo desejável nem sustentável. Ao mesmo tempo, o modelo atual parece caminhar para um futuro de grandes aterros regionais, operados pela inciativa privada, que recebem lixo de cidades às vezes muito distantes. O envio de lixo para outras cidades tem crescido nos últimos anos no estado de São Paulo.

Esse modelo regional e privado gera custos a medida em que aumenta a distância que o lixo deve percorrer até seu destino final, gerando maior consumo de combustíveis e produção de gases de efeito estufa.

Nossa estimativa mostra que as distâncias médias percorridas pelo lixo aumentaram 8,7% de 2013 para 2017. A quilometragem total de viagens de caminhão para destinação do lixo aumentou 18,2% no mesmo período, segundo nossas estimativas.

Outro ponto a ser discutido é a especialização de certas partes do território como grandes infraestruturas para disposição de lixo. Esse fenômeno levanta outras questões, por exemplo: como esses locais devem ser escolhidos, e por quem? Quem deve pagar o custo de viver próximo deles, e quem são essas populações?

Uma resposta para essas questões está presente na literatura dedicada ao tema da justiça ambiental (environmental justice), discutido nos EUA desde a década de 1980. Um dos principais pontos da justiça ambiental é que normas e regulações ambientais devem considerar seu potencial impacto desigual em diferentes populações e comunidades, uma vez que a distribuição no espaço das populações é desigual.

Um problema final a ser apontado aqui é o fato desse modelo tornar a disposição de lixo uma atividade financeiramente rentável para os operadores de aterros particulares. Isso pode desincentivar alternativas ao uso de aterros, como a redução, compostagem e reciclagem de resíduos.

Esperamos que, ao tornar esses dados visíveis, ajudemos a levantar discussões sobre o modelo atual de gestão dos nossos resíduos e daquilo que, como sociedade, desejamos para o futuro.

Mapa interativo

Explore abaixo nosso mapa interativo e veja para onde vai o lixo da sua cidade:

Veja o mapa interativo em tela cheia.

Dados

Os dados usados aqui foram extraídos dos relatórios anuais de Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Urbanos, da CETESB.

Você pode acessar nossa versão extraída e dos dados aqui.

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Bernardo Loureiro é urbanista e programador, especializado em mapeamento, análise e visualização de dados. É criador do laboratório de visualização urbana Medida SP.

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