Nos ônibus de São Paulo, a pandemia quase acabou (mas não para todos)

Bernardo Loureiro | Medida SP
MedidaSP
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5 min readFeb 4, 2021

Analisamos o número de passageiros de ônibus em São Paulo para entender como anda o isolamento durante a pandemia. Observamos que o isolamento nos ônibus da capital teve um pico de quase 70% no final de abril de 2020, e vem caindo quase continuamente desde então, chegando a apenas 26,4% de isolamento na semana antes do natal. Porém, observamos que esse isolamento não se distribui igualmente entre as linhas da cidade.

Isolamento médio vem caindo

Ao analisarmos a taxa média de isolamento para todas as linhas de ônibus da cidade de São Paulo, vemos que esse isolamento caiu significativamente desde o início da pandemia. Calculamos o isolamento como a redução percentual no número de passageiros, comparado com a média do período 03/01–06/02/2020, pré-pandemia (mais na metodologia ao final do artigo).

Esse dado é confirmado por outras medidas de isolamento social, como nos relatórios Google que utilizam dados de GPS (nós aqui utilizamos dados de passageiros disponibilizados pela SPTrans).

Taxa média de isolamento nos ônibus municipais ao longo do tempo

A distribuição desigual do isolamento nas linhas

Olhar a média da cidade inteira, no entanto, não revela a história completa. Analisamos a seguir o isolamento separadamente para cada uma das mais de 1.000 linhas de ônibus da cidade, ao longo do tempo. Depois, dividimos a cidade em pequenos hexágonos de 400 metros de raio, e calculamos o isolamento médio ao longo do tempo, para as linhas que passam em cada um desses hexágonos.

O que podemos observar no mapa é uma história diferente da média da cidade. Enquanto o isolamento vem caindo continuamente ao longo da pandemia, o isolamento tem caído mais acentuadamente nas linhas que passam nas periferias de São Paulo.

Veja no mapa animado abaixo o isolamento semana a semana para cada região de São Paulo:

Mapa animado mostrando o isolamento dos ônibus que passam nas várias regiões de São Paulo

É importante ressaltar que estamos medindo aqui somente o isolamento nos ônibus municipais, e não no transporte individual; outros estudos têm mostrado também o aumento da incidência de Covid-19 nos bairros de renda mais alta de São Paulo.

Algumas linhas ainda mantém isolamento

Olhando para algumas das linhas mais e menos isoladas da cidade, podemos ver que algumas delas ainda mantém isolamento próximo ao pico de março. É o caso da linha 408A-10 - Machado de Assis / Cardoso de Almeida, que circula na zona oeste da capital. Em comparação, a linha 737A-10 - Terminal Jd. Ângela / Terminal Santo Amaro, que opera na zona sul, já voltou ao seu índice de uso normal, comparando com o período anterior à pandemia.

Observamos fenômeno semelhante em outras linhas da capital: linhas mais centrais tendem a ter mantido mais o isolamento, quando comparadas às linhas que percorrem da periferia até o centro. A tabela abaixo mostra as 20 linhas com maior (em preto) e menor (em vermelho) isolamento no período da pandemia.

As linhas com maior e menor isolamento durante a pandemia

Ao olharmos essas linhas no mapa, fica mais clara a divisão entre linhas mais centrais com maior isolamento (em preto, abaixo) e linhas mais afastadas com menor isolamento (em vermelho).

Mapa das linhas com maior e menor isolamento

Desdobramentos

Uma série de motivos podem estar causando essa queda mais acentuada do isolamento nos ônibus mais afastados do centro. Em primeiro lugar, os moradores dessas regiões podem estar se deslocando mais para trabalhos presenciais, ou então para buscar trabalho. Com o fim do auxílio emergencial, é de se esperar que esses deslocamentos se intensifiquem.

Além disso, infraestrutura, equipamentos de saúde e oportunidades de emprego não estão distribuídos igualmente no território, e tendem a se concentrar em áreas mais centrais. Esse pode ser mais um motivo que causa um maior uso das linhas mais periféricas. Outra possibilidade é o uso maior de transporte individual por moradores das áreas centrais, quando comparados com os das áreas mais periféricas.

Transportes públicos coletivos e pandemia

Ainda não está claro qual o risco exato de se utilizar transportes coletivos durante a pandemia. O que já se sabe, no entanto, é que locais cheios e mal-ventilados são mais propícios à contaminação.

Nesse sentido, é importante que o poder público tome medidas para reduzir a lotação nos transportes coletivos, especialmente nas linhas mais cheias. Utilizando dados do Bilhete Único e dos GPS dos ônibus, seria viável para a SPTrans calcular em tempo real a lotação dos ônibus da capital. Essa informação poderia ser divulgada, juntamente com medidas tomadas para minimizar aglomerações no transporte coletivo, como aumento da frota.

Na esfera federal, o auxílio emergencial deveria ser ampliado para possibilitar um maior isolamento social, principalmente para as pessoas que estão desempregadas.

Metodologia

Para calcular o isolamento nas linhas de ônibus, usamos uma metodologia semelhante a dos relatórios de mobilidade disponibilizados pelo Google.

  1. Utilizamos o período 03/01–06/02/2020 como base de comparação para o número de passageiros;
  2. Calculamos a mediana de passageiros por linha e por dia da semana, durante o período base. Esses seriam nossos valores “esperados” para cada linha em cada dia da semana;
  3. Fizemos o mesmo cálculo para o período da pandemia, e dividimos pelos números do período base para cada linha e dia da semana. Assim, obtemos a diferença percentual entre os dois períodos, que é nossa taxa de redução de passageiros, ou taxa isolamento;
  4. Para resumir esse número por semana, utilizamos a média da taxa de isolamento por linha por semana;
  5. A média de todas as linhas é a taxa média da cidade toda.

Já para calcular por região da cidade e fazer o mapa acima, seguimos estes passos:

  1. Dividimos a cidade em hexágonos de 400 metros de raio e identificamos as linhas que passam em cada hexágono;
  2. Para cada hexágono, calculamos a média da taxa de isolamento de todas as linhas que passam nele, por semana.

Os dados da SPTrans podem ser acessados aqui.

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Bernardo Loureiro é urbanista, especializado em mapeamento, análise e visualização de dados. É criador do laboratório de visualização urbana Medida SP.

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