*este texto contém doses variáveis de humor, sarcasmo e ironia. Se você tem sensibilidade a algum desses ingredientes, dê o fora daqui.

5 razões para encarar as listas de razões do Medium com certo cinismo*

1- Desconfie do Hype / Comportamento de manada

Odemilson Louzada Junior
Medium Brasil
Published in
7 min readOct 22, 2015

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O Medium chegou, trouxe seu quinhão de novidade. Disseram pros caras “construa, e eles virão”. Dito e feito. Construíram, e as pessoas vieram. E com elas trouxeram seus textos. E eis que de repente começamos a ver as famosas listas de “5 coisas isso”, “10 coisas aquilo” e “Guias definitivos para alcançar a awesomeness em alguma coisa”. Como meu cérebro apita com desconfiança toda vez que identifico algum sinal de hype pra qualquer tipo de coisa, à medida em que isso acontecia me coloquei a pensar em como absorvemos certas coisas que vem de fora. No início, é sem uma postura crítica. Early adopters serão early adopters. O negócio é consumir o produto o mais rápido possível antes de todo mudo e posar de cool. A rapidez necessária à prática faz com que a reflexão seja algo dispensável.

À medida que o tempo vai passando, nosso espírito crítico brazuca (crítico com o que é externo na proproção inversa com o que é interno, que fique bem claro) faz com que a “earlyadoptação” desenfreada pareça menos cool e que as falhas apareçam. Quem não se lembra dos gerundismos ridículos dos atendimentos de telemarketing? Nada mais foram que nossa falta de filtro (somada a uma incapacidade de interpretar contextos numa tradução) ao adaptar os manuais de treinamento em inglês para nossa realidade. Falta de filtro. Quando se viu, já foi. E até hoje sofremos com o “VOU ESTAR agendando, senhor.” Mas essa coisa de seguir modinhas, sem filtrar se elas são legais e benéficas ou ridículas ou inadequadas, não é jamais culpa do produto. E muita gente nem sabe que tampouco é culpa dos fashion victims ou early adopters, ou paulistas (ops! foi mal aê) ou qualquer turma tendencista. O germe desse tipo de comportamento na verdade é algo que já nos foi muito útil um dia e que pode ter ajudado de forma definitiva em nossa evolução: o comportamento de manada. A necessidade de nossos ancestrais era economizar a energia do cérebro, que por ser mais desenvolvido que o dos outros animais gastava muito mais recursos para se manter. Para suprir essa necessidade, a evolução nos dotou de uma infinidade de atalhos e gambiarras mentais para fazer com que nosso cérebro não precisasse se perder entre milhares de probabilidades na hora de fugir do leão na savana. Dentre as gambiarras, teve essa: Se o resto do bando está correndo, vou correr também. Sem pensar, sem perder tempo me perguntando se é leão, dentes de sabre ou urso-das-cavernas.

O que pega nessa história é o seguinte: já não somos mais pós-macacos perambulando pela savana, aprendemos um pouco mais sobre o mundo e sobre nós mesmos desde então. A nossa vida em sociedade, a ciência e as tecnologias evoluíram. Só que num ritmo infinitamente mais rápido que nossos organismos. Biologicamente, organicamente e fisiologicamente continuamos sendo pós-macacos feitos pra perambular pela savana. E em algum momento o pessoal do marketing descobriu isso. E aí, voilá… Estavam criados a moda, a compra por impulso, o estímulo ao consumo desenfreado, e as tendências. Nada contra, nada a favor. Mas a esta altura do campeonato, já deveria estar um pouco mais claro pro ser humano médio o fato de que se conhecimento é poder, auto-conhecimento é benção.

2- Auto-ajuda style e o cacoete do marketing digital

Antes que comece uma chuva de notas musicais (na verdade uma nota só: mi) é bom deixar claro que eu não tenho nada contra um texto em formato de lista. Tampouco um texto em formato de “lista com estilo de auto-ajuda”. Tampouco um texto em formato de “lista de auto-ajuda escrito por um cara que largou seu emprego de sucesso pra montar uma startup de sucesso mas agora passa 1/4 do tempo dele num Starbucks e 3/4 do tempo tentando fazer a startup decolar antes que o dinheiro que ele tinha acabe e ele morra de ansiedade ou vire um mendigo ou volte se sentindo humilhado pra casa do papai e da mamãe”. Bem, tá bom… nesse último caso eu talvez tenha um pouquinho contra sim. Mas deixa isso pra lá. O problema não é a motivação que leva a pessoa a escrever a lista, ou mesmo o fato da lista estar escrita num estilo que eu não goste. Nesse caso específico do gosto, é um problema meu, e as outras pessoas (e textos) não tem nada a ver com isso. O grande porém que me incomoda na invasão das listas é elas terem herdado uma característica que considero ruim de uma área da internet que considero meio que “menor”: a cara de postagens que foram escritas para serem acessadas, e gerarem um hit, e não para serem lidas. Claro que nem todas as listas são assim, mas como relatei num outro texto sobre minha experiência próximo do lado mais obscuro do “marketing digital”, às vezes consigo sentir um certo DNA de postagem feita mais pra ser acessada do que pra ser lida até mesmo aqui no próprio Medium, que teria como motor principal o estímulo à escrita e ao compartilhamento. É como se as pessoas mesmo quando chegassem aqui, ainda trouxessem essa tendência agarrada com elas. Por melhor que seja o texto, quando ele está categorizado como uma lista, nesse formato que os americanos adoram (ô galerinha pra gostar de fórmulas 1–2–3 do-it-yourself) às vezes tenho a sensação de que ele poderia até ser escrito de outra forma, mas o autor pensou que se não estiver listado os prováveis leitores irão se negar a lê-lo.

3- Às vezes as listas não são 100% sinceras, e às vezes nem quem escreveu está consciente disso.

Outra questão quanto as inúmeras postagens no formato de listas é o fato de muitas serem escritas numa vibe “fiz uma mudança na minha vida e deu tão certo pra mim que quero compartilhar com vocês”. Nesse momento volto àquele rapaz que mencionei no item anterior. Ele está escrevendo uma coisa altamente categórica, baseado exclusivamente numa experiência pessoal. E numa experiência em andamento. Me parece que quando ele escreve uma lista com os passos que ele tomou pra ser feliz trocando o emprego numa multinacional por aquela startup que ainda não decolou, ele tem todo o direito de fazer até um filme sobre isso… mas levando em conta que ele está dividindo uma experiência em andamento como se fosse um fato consumado, isso não me parece muito honesto. E o mais assustador é que eu não tenho muita certeza de que ele sequer esteja consciente disso. Talvez entre um café e outro nas horas de sono perdido trabalhando naquela startup que ele tinha tanta certeza que seria um sucesso estrondoso, mas que a cada dia que demora a decolar faz com que ele se sinta mais desestimulado e duvidoso quanto ao passo que tomou, ele resolva escrever um texto de auto-ajuda como uma forma de apoiar a si mesmo. Mas o fato de não perceber isso, faz com que esse texto seja publicado como se fosse uma outra coisa. É como perceber que talvez aquele produto que você bolou (e na hora pareceu a coisa mais revolucionária já inventada) de repente não é tão cool assim. Talvez você tenha aquela dificuldade em decidir se mesmo não sendo tão cool, o produto vale o esforço de ser tocado à frente ou se você deve abandonar e perseguir uma outra ideia ou caminho mais promissor. Tudo isso passa pela cabeça de milhões de pessoas. Só que tem gente escrevendo listas cheias de certezas, mas com a cabeça cheia de dúvidas. Isso me parece um pouco errado, principalmente se não é admitido pela pessoa.

E tem outra coisa: porque uma experiência tão pessoal quanto “8 coisas que eu fiz pra mudar minha vida”, deveria necessariamente ser aceita como coisas que mudariam A MINHA vida? Às vezes quando leio algumas dessas listas, me sinto como se fosse uma receita de bolo. Só que uma receita de bolo onde a pessoa te dá alguns ingredientes que existem e outros que você não faz a menor ideia do que sejam, ou te falta o conhecimento sequer para lidar com eles. Sem julgamentos nem críticas, pura e simplesmente porque cada pessoa neste mudo é diferente na medida em que é uma soma de experiências diferentes. Mas mesmo assim você vai achar a receita ótima, porque a foto do bolo parece linda e apetitosa. Mas se você for fazer com os ingredientes que improvisou, não vai ficar igual e você arrisca ficar frustrado com o resultado. É lógico que nem todas as listas prometem isso. Mas e daí? Estou falando nesse ponto apenas daquelas que mesmo que não o prometam, sugiram de forma discretamente marketeira essa coisa. Olha o cheirinho do marketing digital aí de novo.

4- Não existe um numero 4

Como esse texto que analisa de forma crítica a moda dos textos em forma de lista é uma lista, e muitos textos de listas brincam com essa coisa de um dos seus itens ser uma pegadinha, é ÓBVIO que esse não poderia ser diferente, e esse item está aqui especificamente para cumprir essa função. Obrigado pela sua atenção e vamos para o próximo!

5- Seja um pouco cínico quanto às coisas

Se você teve perseverança para chegar até aqui, parabéns. Neste item da lista eu me despeço dizendo que o objetivo de ter redigido essa pequena análise da moda das postagens de listas e sua proliferação no Medium foi exercitar um olhar crítico. Foi extrair do cinismo de maneira homeopática o que pode advir de bom dele: a capacidade de não aceitar as coisas de maneira exageradamente aberta. Absorver tudo sem questionar é algo muito fácil para um lado pois não demanda trabalho algum. Você está lá, é só deixar o mundo te bombardear com tudo… mas ao mesmo tempo é desgastante e cansativo. Pergunte àquela esponja da pia… aquela que lava o prato lisinho, mas que também raspa a gordura dura do fundo da panela e é esfregada com força no fio da faca pra limpar o queijo da pizza que endureceu e não sai de jeito nenhum. Em pouco tempo, a esponja fica nojenta, estragada, fedorenta e não consegue limpar mais nada. Aí tem que ser substituída por outra. Tudo porque ela absorve tudo sem critério algum. Se a esponja fosse um pouco mais cínica, talvez ela durasse um pouco mais.

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Odemilson Louzada Junior
Medium Brasil

Desde 1974 driblando a lei de Murphy. Conseguindo na maioria das vezes.