A felicidade e o que sei sobre ela

lucas araujo
Medium Brasil
Published in
5 min readSep 27, 2016

Minha mais recente razão de ser feliz é que resolvi me assumir como uma pessoa 122% diurna. Minha rotina matinal se resume acordar às 5 da manhã, ir ainda cambaleante até a cozinha para ferver a água. E no período entre a água estar natural e fervente, lavo o rosto, organizo meu quarto, rego as plantas e ponho os livros sobre a mesa. É o meu “projeto verão” — ler todos os livros que tenho pendentes até o fim do ano. Leio e escrevo até as 7h30 da manhã, quando calmamente começo a me organizar para o trabalho. Às 22 horas — após ver algumas séries — durmo, aguardando ansiosamente pela manhã seguinte. Minha existência tem sido baseada na escolha por prazeres simples e isso tem me feito feliz.

Felicidade pode até ser uma ideia velha, mas nunca será uma questão ultrapassada. Há quem viva em busca dela. Há quem projete nela um sentido para a vida. Há quem acredite que ela chega após alguns sacrifícios. Há quem diga que foi feliz a vida toda. Bom, não existe uma definição absolutamente exata de felicidade. Ela é uma das coisas mais relativas que existem na vida. Varia com a idade, condição financeira, moral pessoal, hábitos, período histórico e por aí vai. São tantas variáveis que Rubem Alves chama de felicidades — com “s”. Para ele, temos condições de sermos felizes em doses pequenas, todos os dias: fazendo xixi, coçando um lugar que coça, tomando um bom banho, tendo uma boa conversa. É o mesmo que pensa a minha mãe, fã de carteirinha de um bom pôr do sol. Afinal, “Felicidade, só em raros momentos de distração”, escreveu Guimarães Rosa, sem definir a amplitude do que pode ser.

No entanto, acredito cada vez mais que a felicidade também está estritamente relacionada ao desejo. Clóvis de Barros Filho, em Felicidade ou Morte, explica que a felicidade talvez se relacione mais com o desejo do que com a conquista. Ao refletir sobre isso, podemos lembrar que estamos trabalhando incessantemente para conquistar coisas e mais coisas: o primeiro carro, a casa própria, viagens… Mas e aí? E quando conquistamos? Eduardo Gianetti, em Trópicos Utópicos, nos dá uma luz:

Os estratos de maior renda na sociedade são justamente aqueles que tendem a revelar uma maior quantidade de desejos insatisfeitos de consumo: conquistados a linda casa e o belo carro, por que não uma casa de praia? Mas, tendo uma casa à beira-mar, como não ter um barco a motor? E, depois de ter ralado e alcançado tudo isso, como não ter visitado as ilhas virgens e feito scuba diving? Com o aumento da renda cresce a sensação de falta.

Em suma, ele defende que quanto mais dinheiro, mais chances de ser infeliz. E Epícuro defendia o mesmo há dois mil anos. Em Carta Sobre a Felicidade, ele escreve que não são as posses que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda a rejeição. Felicidade não está no “ter”, mas no “ser” — o “ser” feliz com as escolhas que você faz da vida. Para isso, é preciso fazê-las com calma e sabedoria.

Como você já sabe, acordo diariamente às 5 da manhã para ler. E durmo às 10 da noite. Aos 24 anos. Escrito aqui no Medium pode soar adorável, nobre, até admirável. Na vida, contudo, me traz alguns desafios sociais. Para a maioria dos meus amigos, o melhor da vida ocorre pós-expediente, durante a semana. Aqui no Recife, alguns ótimos eventos ocorrem às terças e às quintas. Conhecendo bem a mim mesmo, sei que se for a algum deles — e isso significa quase que obrigatoriamente ficar até a meia-noite ou depois — eu destroçaria a minha rotina pelo resto da semana. Por isso, tem gente que até já desistiu de me convidar, apesar de eu ter, sim, muita vontade de ir e ter deixado prometido que um dia eu irei.

Tudo isso pode soar egoísta da minha parte — “como assim negar uma saída para um lugar legal com gente querida porque você tem que ler na manhã seguinte?”. É quando me agarro com o profeta Zaratustra, de Nietzsche, que defende algo como “Demore o tempo que for pra ver o que quer da vida. Quando descobrir, não recue ante nenhum pretexto, pois o mundo tentará te dissuadir”. Mais do que fazer escolhas, a felicidade está em saber que somos satisfeitos com tais. E, como em minhas leituras matinais, momentos de felicidade, a gente não quer que terminem. E isso até pode nos afligir um pouco.

Pra mim, existem dois tipos de pessoa. A que está empolgada porque vai fazer uma viagem. E a que está triste já pensando no fim dela.

Lamentavelmente, eu faço parte do segundo grupo. Repare bem: nem estou vivendo os momentos ainda e sou tomado por uma tristeza enorme quando sei que eles serão ótimos, mas têm data de validade. Minha pergunta é: a vida não é isso? A diferença é que, normalmente, não sabemos quando as coisas vão acabar. E vou além: tem gente que pensa na morte ao refletir sobre o que está fazendo da vida. E sofre por antecedência. Há quem tema a morte. Ou como vai morrer. Ou quando. Francamente, não deixo que esses pensamentos me aflijam. Você morre uma vez, mas a vida acontece toda hora. Uma dica boa é trazer sempre um pouco de leveza a ela. Por isso que Eurípedes defendia que não se deve levar a vida tão a sério.

Mas calma lá! Uma vida feliz não é uma vida sem tristezas. Pelo contrário. As mazelas fortalecem e ensinam, embora essa seja uma ótica divergente do que ocorre nas redes sociais, por exemplo. A felicidade da gente está cada vez mais projetada no outro. Na moral dos apps, a felicidade está mais em “mostrá-la” que em “vivê-la”. É, ao mesmo tempo, um autoconvencimento e uma tentativa de convencimento geral de que somos sempre felizes. Nossas fraquezas ficam cada vez mais guardadas a sete chaves dentro de nós, num ambiente que não faz parte do universo online. O Facebook, em minha opinião, é uma máscara que torna ainda mais misteriosas as nossas vulnerabilidades, ao passo de que também traz questões cada vez mais pessoais ao tornar-se o que é hoje: um blog diário e ilimitado cujo editor-chefe é você. Mas quem sou eu pra julgar?

Epícuro diz que é necessário cuidar das coisas que trazem felicidade, já que, estando ela presente, tudo temos, mas sem ela, tudo fazemos para alcançá-la.

Por isso, seria desonesto da minha parte espalhar que quem usa redes sociais para mostrar o melhor do dia-a-dia está se equivocando. Contudo, acho, sim, que quando um assunto é tão sério — felicidade é um tema seríssimo — toda a reflexão é válida.

Por fim, creio que viver feliz pode até incomodar os outros, é verdade, mas também os contamina. Tenham segurança de que suas escolhas são as certas pra você. Se não forem, deixe o orgulho de lado e reflita sobre o que pode mudar. Comece libertando-se do que te faz mal. Assim, você se torna a mudança que quer ver no mundo. E todo mundo vai perceber isso.

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