Imagem Aykut Aydoğdu

A noite mais noite de todas

A fresta e as horas da senhorita notívaga

Medium Brasil
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2 min readFeb 8, 2017

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Nunca uma noite foi tão noite, como se não bastasse me fez também anoitecer. E o escuro que se alastrava fez de mim buraco negro a me engolir muitas e muitas vezes.
Nunca uma noite foi tão vazia de presença. Eu me apagava e me agarrava à luz — talvez do poste, talvez do túnel. Um fiapo de luz que entrava por um buraquinho na janela.

“Enquanto enxergar algo ainda estou segura”.

Queria um barulho que não fosse um gato no telhado ou o eco da minha respiração na casa vazia na mais escura das noites que já vivi. Queria uma mão, talvez um peito pra apoiar a cabeça e dormir. Eu queria um tiro no escuro, sem eco, um tiro mudo. Queria desligar as lembranças como quem apaga a luz.

Por não enxergar o relógio cada minuto tomava a forma que desejava, e cá ficava tentando contar em vão os segundos para tentar encurtar a noite, mas ela era extensa e espessa. Das facas na cozinha nenhuma era amolada, não cortariam nem um pulso, quanto mais a noite.
A noite precisava de mim a atravessá-la, nem bala nem faca, eu feria mais, eu era a própria ferida. Eu era a carne viva que gritava enquanto todos fingiam dormir nas suas camas com seus travesseiros caros e amores baratos.
Era eu o que incomodava a vista por isso o escuro, mas tinha o fiapo de luz que não me deixava dissolver por completo, como grão de areia no interior de tuas meias, como pó no canto de parede que você fingia não enxergar.

E na calada da noite, na caçada de mim dentro do buraco negro que surgiu de outro buraco, de uma ausência bruta, de um abandono covarde, a luz que brilhava era o que me restava. Ela parecia tão frágil ao me mostrar a imensidão da noite, mas tão forte porque aparecia como se indicasse o caminho.

Até a noite mais noite de todas tem fim.

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Celina
Medium Brasil

"Writer". Nordestina, roteirista e fotógrafa. Editora da Revista Fale Com Elas no Medium. Stories in Portuguese and English.