gabriela arthur
Medium Brasil
Published in
2 min readNov 23, 2014

--

amantes escritores

ela escreve em caderno pautado. andava flutuando nas nuvens e precisava de linhas para guiar suas ideias. os acontecimentos recentes haviam a desorientado e só encontrava a calma com o lápis na mão. esvazia sua cabeça de uma só vez. precisa expulsar palavras para entender seus pensamentos apaixonados. ela escreve com ritmo. fábrica de textos medíocres.

já ele, compõe versos em folha sem pauta. não precisa de mais nada para o alinhar. escreve frases curtas, usa as palavras com cuidado, como se não quisesse abusar. primeiro imagina e esculpe na mente, para então golpear o papel. ele prefere a rima. ateliê de frases encantadas.

ela custa a acreditar na felicidade que sente. escolhe o lápis. encontra conforto na certeza de poder apagar se descobrir que era sonho. anda sempre com a borracha no bolso, mas nunca limpou uma letra sequer. tem medo de esquecer o que sentiu durante aqueles dias.

já ele, tem certeza do que quer dizer. a caneta assegura que o escrito merece ficar. está ansioso para levar seus versos além. gosta de pensar na palavra falada. com sua voz rouca, imagina sussurrar no ouvido dela. não quer deixar ela esquecer o que se passou naqueles dias.

os dois fecham seus cadernos e se olham.

palavra nenhuma foi mostrada ou dita.

a escrita sempre foi algo que usaram para acalmar o coração, mas agora parecem não precisar muito mais desse artifício. encontram o que buscavam em suas composições apenas ao olhar para o outro. palavras são engolidas e devolvidas na forma de beijo. versos, fagocitados, e retornam como cafuné. repousam em silêncio ao sentir que estão juntos.

colocam a caneta e o lápis de lado.

nada mais foi escrito pelos dois.

--

--