AO EFÊMERO ESQUECIMENTO DO MEDO
15–11–17, sp
É o suor que escorre
do rosto do homem
que cai ao chão
responsável pelo brilho
deixado pelo esfregão
no piso das fábricas.
São as mãos sujas
que carregam o lixo
para longe dos seus olhos
afastando o cheiro podre
de tudo aquilo que você
descarta e consome.
Essas unhas compridas
seguram o copo
para encher com café
te servindo depois do almoço
o líquido preto que te aquece
e te mantém em pé.
O mundo está cheio
dessa gente invisível
e triste
que mantém a máquina funcionando
sem nunca dizer o que sente.
Eles se calam e seguem
esfregando o chão
pedindo perdão
por estarem no caminho.
Mas quando a noite chegar
eles tirarão seus aventais
seus uniformes
suas luvas
eles vestirão as mesmas camisas
suas cores serão misturadas
seus nomes, suas vidas
serão uma só
a eles, chamarão
de Fiel Torcida.
As fábricas estarão vazias
os motores estarão desligados
o metrô carregará a massa
preta e branca
ao seu destino marcado.
Sob o céu escuro
com a lua solitária
eles não pedirão perdão:
o gramado receberá os corpos
e o mundo ouvirá o coro
das vozes sempre calada
que hoje
se farão
escutadas.
Olhares tortos serão lançados,
dirão:
eis um bando de alienados,
preocupados com isso,
enquanto em casa falta
até o pão,
e quem dirá isso
é aquele que todos os dias
passa ao lado dessa gente simples
sem a eles dirigir
ao menos um obrigado.
Hoje eles não são operários
hoje eles serão
algo a mais.
Amanhã eles acordarão
para voltar ao trabalho
mas amanhã está distante
tão distante quanto o grito
que na rotina do medo
ficou entalado.
Amanhã, só amanhã
eles voltarão ao trabalho.
Essa noite
eles serão livres
eles serão gente
eles não sentirão
medo
enquanto gritarem juntos
como um corpo pulsante
que se nega a viver
para sempre acorrentado.