Aproveitando a casa arrumada

Odemilson Louzada Junior
Medium Brasil
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5 min readAug 8, 2016
Boulevard Olímpico do Rio de Janeiro, Agosto de 2016

Gostaria de compartilhar um pequeno desabafo com todos vocês. A um dia da abertura oficial das Olimpíadas 2016 no Rio, eu e minha esposa resolvemos fazer um programa raríssimo. Empunhamos a máquina fotográfica que normalmente não se cogita para esse programa, especialmente para tirar fotos no pedaço do Centro da Cidade reformado para o maior evento esportivo do Planeta. Para quem trabalha ou passa com frequência pelo Centro do Rio (como ocorre conosco e com grande parte da população de nossa Niterói-dormitório) o Centro do Rio é um lugar desafiador.

O Rio bom: Sonharia com essa paz todos os dias

Sua arquitetura especial, prédios antigos e modernos, trechos belíssimos e locais fantásticos para fotografar são uma atração para qualquer alma turista, mesmo que já trabalhe e conviva ali numa mesma vizinhança há anos e anos. Esta interessância visual toda compõe o desafio de querer ser turista nessa cidade mesmo sendo morador ou vizinho dela e ao mesmo tempo não saber que é arriscado dar uma de turista ali. A sensação de se estar desafiado vem de saber com muita facilidade das decepções trazidas à alma de quem gosta da beleza das cidades. Decepções vindas da sujeira das ruas, da má educação geral do povo que suja a própria cidade em que convive, do baixo nível de treinamento e qualidade dos prestadores de serviço e comerciantes, da malandragem cada vez mais ridícula de se ufanar, do abandono, da má administração, dos trechos decadentes com lindos prédios antigos caindo em pedaços, da criminalidade e delinquência, dos imóveis mal aproveitados e de uma péssima gestão de atração e promoção de espaços para uma cidade que se pretende turística.

O Rio ruim: Máfias no transporte, caos, corrupção e desrespeito.

Aí vieram as Olimpíadas que o povo não queria, e sim apenas os governantes que lucraram com ela. E o povo em sua resiliência martírica sofreu com obras, desvios, licitações fraudadas, festas em Paris com governadores e políticos de guardanapos na cabeça comemorando a passada de perna que deram nos otários. Ainda assim, acordos foram cumpridos, e obras foram feitas. Tocadas à moda boi aqui, levadas com mais seriedade ali, inacabadas acolá, infelicidades ocorreram em uma ciclovia que desabou poucos meses após construída. Morreram pessoas. E o solidário (e hipócrita) carioca seguiu jogando bola a poucos metros do cadáver na areia. Provavelmente pensando “foda-se, não fui eu, se fode aí”. Algo bem carioca, o hype do hype dos anos 2010. Nem assim a locomotiva do progresso e da arrogância dos que ainda acham o Rio um paraíso parou.

Queda da ciclovia, um crime que muitos esquecerão rápido.

E chegou o dia em que fui visitar o resultado de tudo isso, e mais uma vez, como em tudo no Rio, os sentimentos são divididos. Eu a reconheço como uma cidade belíssima. O Rio tem uma natureza inigualável, uma bênção maior que qualquer benção que qualquer panteão de divindades já tenha legado a uma só terra. E ainda assim o Rio tem um povo que destrói, devasta, suja, emporcalha, polui e desrespeita essa dádiva. E o pior. Faz isso tudo e ainda se acha foda. Eu odeio essa arrogância do carioca com o mesmo imenso furor com que amo a natureza da nossa região. A minha irritação ao ver o executivo que ganha em menos de 1 mês o que eu ganharia em 1 ano jogando o papel de bala no chão é tão alta quanto as palmeiras do Jardim Botânico. E não, nunca, jamais me irritaria com ele porque ele ganha mais que eu, mas sim porque ele é um idiota que não alcança a relação entre a beleza das palmeiras do jardim botânico e a sua falta de educação e civismo. Nesse espírito cívico de tentar curtir o Rio, tive uma bonita experiência. O caminho chamado Boulevard Olímpico, entre a Praça XV e a Praça Mauá, arquitetonicamente competente e capaz de oferecer até aos locais uma belíssima visão de ângulos diferentes de uma cidade tão íntima, estava lindo. Novinho, estalando de novo. Passeamos nele com prazer, tiramos muitas fotos. Vimos também com prazer pessoas passeando com suas famílias, crianças, gente normal. Mas como é um período especial, percebíamos também que o policiamento e a segurança no centro do Rio estavam em um nível só visto em eventos temporários internacionais. Sabíamos que isso era uma exceção, jamais a regra.

É assim que o carioca fodão, malandrão trata sua praia.

Foi nesse momento em que me bateu uma tristeza. Descobri que o Rio pode ser uma cidade muito melhor, com um pouco mais apenas. São pequenas diferenças entre “nós” e os “civilizados”. Mas são pequenas diferenças que fazem GRANDES diferenças. Bastava pro Rio ter coisas que outras cidades ao redor do mundo tem de forma quase natural, coisas que fazem que o turista tenha uma experiência igual à que tive ao passear nesse Centro do Rio reformadinho: o respeito da população ao patrimônio público, ordem, limpeza, cuidado com o que é de todos, segurança e o resultado de tudo isso, a paz de se aproveitar uma cidade como ela deve ser aproveitada. Sei que para o nível atual de Brasil, isso pode soar algo demais a se esperar. Mas sonhar não custa nada. Quem sabe um dia. Eu só gostaria mesmo que esse dia não demorasse tanto. O Rio não merece esperar mais tanto tempo pra finalmente poder ser a cidade que deveria ser, e não a bagunça (que só rende dinheiro para corruptos e mafiosos) que ainda é.

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Odemilson Louzada Junior
Medium Brasil

Desde 1974 driblando a lei de Murphy. Conseguindo na maioria das vezes.