Bodas de cristal do bronze olímpico

Raphael Carneiro
Medium Brasil
Published in
4 min readSep 26, 2015
Fernanrdo Scherer, o Xuxa, Gustavo Borges, Carlos Jayme e Edvaldo Valério comemoram o bronze como se fosse ouro

Esta semana completaram-se 15 anos de um grande feito da natação brasileira. Nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, o revezamento brasileiro conquistou a medalha de bronze nos 4x100m livre. Foi a única medalha do esporte naquela edição olímpica. E mais. Pela primeira vez na história um nadador negro do Brasil subia ao pódio na competição mais importante.

Para comemorar o feito, coloco aqui um trecho do quarto capítulo da biografia Edvaldo Bala Valério — A braçada da esperança. O livro conta um pouco da história do nadador baiano, desde sua infância humilde até o final da carreira.

Você pode comprar seu exemplar no site do nadador, na Livraria Cultura, Livraria Travesa ou na Livraria Saraiva. Basta escolher um desses lugares, clicar no link e conhecer um pouco mais da história do esporte brasileiro.

Boa leitura!

Leia abaixo trecho do livro Edvaldo Bala Valério — a braçada da esperança

“Ao ver Carlos Jayme se aproximando, Valério começou a agitar os braços. Com o maiô azul da sorte, a cabeça raspada e os óculos transparentes, ele manteve o olhar vidrado nas mãos do companheiro de equipe. Temia dar um movimento em falso e desclassificar a equipe. Atrás dele, com pouco mais de um metro de distância, Xuxa e Gustavo Borges gritavam palavras de incentivo. Borges, com uma toalha nas mãos, ainda tentava passar algumas instruções da prova. Nada era ouvido. Nem mesmo o barulho ensurdecedor feito pelo ginásio empolgado com a disputa do primeiro lugar entre os donos da casa e os Estados Unidos era perceptível aos tímpanos adestrados à concentração. O mundo, naquele momento, se resumia à raia 2 do Parque Aquático de Sydney. Valério estava em transe. A única coisa que ouvia era o contato do braço de Carlos Jayme com a água. Só enxergava a mão do brasileiro e a borda da piscina. Até que as duas se encontraram.

- É com você agora Bala! — gritou Galvão Bueno durante a narração ao vivo para o Brasil.

Eram por volta das 7h em Salvador. Os vizinhos do apartamento no Stiep, mesmo que não soubessem da prova, já não conseguiriam mais dormir. A tranquilidade matinal era interrompida por gritos constantes. A equipe de TV deveria estar lá somente para registrar as reações dos pais de Valério. Mas não resistiu. Quando o baiano caiu na água todos estavam curvados em direção ao televisor, o punho cerrado de um lado e o outro braço num constante movimento horizontal da direita para esquerda, como se algo estivesse na frente do rosto atrapalhando as vistas, em uma clara repetição do gesto comum nas arquibancadas de natação para mandar o atleta acelerar o nado.

Com a saída inferior em relação ao restante dos adversários, o Bala logo caiu para a quinta colocação. A força do nado o fez recuperar e virar na briga pelo terceiro lugar. Ao ver o atleta passar bem nos primeiros 50 metros, Sérgio inflou o peito. Pressentia que a tática havia dado certo. Ele, mais do que ninguém, sabia do que seu nadador era capaz de fazer nos metros finais de uma prova. Ele tinha conhecimento. O mundo iria descobrir dentro de instantes.

- Agora eles vão ver o que a gente sofre com Valério no Brasil — profetizou André Cordeiro a poucos metros de Sérgio.

Lá na frente, Ian Thorpe tentava a todo custo ultrapassar Gary Hall Junior, último atleta dos Estados Unidos. A briga entre os dois só foi resolvida nos cinco metros finais da piscina. A arquibancada veio abaixo quando a revelação local tocou primeiro na borda. Muitos sequer continuaram a olhar para a disputa que ainda estava curso na piscina. Mas, nem precisava. Ela já estava praticamente resolvida.

Pouco depois de chegar aos 25 metros finais da piscina, Valério já estava com meio corpo à frente dos demais adversários. Os alemães foram os últimos a serem batidos pelo Bala.

- Tem a possibilidade o Brasil do bronze! Tem a possibilidade o Brasil do bronze! Vem a medalha! Vamos, Bala! Vem a medalha! É Brasil, é Brasil, é Brasil! — gritava um eufórico Galvão Bueno para os milhões de brasileiros que acordaram cedo e tiveram o prazer de prestigiar a primeira medalha do país naquela edição das Olimpíadas.

Ao bater as pontas dos dedos na borda, com o tempo de 49s12, Valério imediatamente jogou o corpo para trás e girou a cabeça em direção ao placar eletrônico. Não deu nem tempo de ver o tempo feito pela equipe. Bastou perceber a raia 2 na terceira colocação que ele se transformou. Com a mesma velocidade que nada, ele retornou o olhar para a borda e foi puxado imediatamente por um emocionado Fernando Scherer, já de joelhos e prestes a cair na piscina.

- Muito obrigado, baiano! Muito obrigado, baiano — repetia o ídolo de Valério.”

--

--

Raphael Carneiro
Medium Brasil

Escritor. Jornalista. Autor da biografia Edvaldo Bala Valério (http://bit.ly/1FsvoYV/) e de Uma chance: contos e outras histórias (http://amzn.to/2cdMTcS).