Gabriel Schincariol Cavalcante
Medium Brasil
Published in
3 min readAug 12, 2015

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MDN

trilha sonora sugerida: Stand by me, Ben E. King
https://www.youtube.com/watch?v=dTd2ylacYNU

CENA

Uma rodoviária movimentada de uma grande cidade do interior. 18:44. Plataforma de embarque. Um piano colocado no meio do caminho em que um homem com dreads no cabelo toca Stand by me, originalmente executada por Ben E. King. Uma família sentada a mesa em frente a lanchonete com preços abusivos, mas que não parecem absurdos dentro da rodoviária. Um casal está na mesa ao lado. O rapaz se levanta para pegar um café, “Você não quer, mesmo?”. Com a negativa, vai comprar apenas para si. O pai da família também se levanta. No balcão da lanchonete, ele tamborila com os dedos no ritmo da música. Canta baixinho “When the night has come”. O rapaz continua, também baixinho, alto o suficiente para que o pai ouça, baixo o suficiente para fingirem que não estão ouvindo um ao outro “And the land is dark”. A filha do pai vem até ele e diz que mudou de ideia, não quer mais um salgado, quer pão de queijo. A moça da lanchonete traz o café do rapaz junto com a água com gás. Agradece, volta para a mesa. Um ônibus chega. A moça se levanta antes do rapaz sentar com as duas mãos ocupadas, uma pelo café, uma pela água. Deixa os dois sobre a mesa. O pai volta para a família com pães de queijo e refrigerantes, com mais desenvoltura que o rapaz. Essa compra custou uma pequena fortuna. Tudo bem, pensa o pai. O casal se abraça, se beija. A família se levanta. Os dois, a família e a moça, vão para o ônibus. Ela se vira para o rapaz, “Vem!”. Ele gesticula sem entender. “Para sempre”, ela se diverte. Ele sorri. Ela manda um beijo e coloca o primeiro pé na escada da porta do ônibus, a família logo atrás, o pai, a filha, a mãe, o filho, nessa ordem, e os pães de queijo e os refrigerantes. Enquanto a moça vai sumindo dentro do veículo, ouve-se a voz do homem com dreads ao fundo declamando o refrão da canção “So darling, darling, stand by me”. A voz não é musical. É uma voz real, não do Ben E. King, mas do motorista do ônibus que diz preguiçoso “A senhora está com o documento? Não precisa mostrar, não, obrigado”. É bonita e desafinada. A família vai entrando no ônibus, sumindo do campo de visão do rapaz que fica com seu café e sua água com gás. “Oh, won’t you stand now? Stand by me”, termina a canção. O homem com dreads se levanta, olha para o rapaz e agradece pelo público ao fim do espetáculo. É aclamado em silêncio e se retira. O rapaz olha no relógio, confirma o horário da passagem, toma o último gole do café, levanta-se e coloca a mochila nas costas. Segue para a sua plataforma de embarque. As mesas da lanchonete estão vazias. A funcionária é substituída por outra para ir ao banheiro. 18:53. Não há cortinas para se fecharem. A transição é gradual. Nove minutos. Fim da cena. Um homem de roupa social se senta junto ao piano. Uma nova canção. Alguém está observando. O crítico anota tudo para a sua coluna. O espetáculo continua.

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