Como ser um adulto: um tutorial

Gabriel Hislla
Medium Brasil
Published in
4 min readApr 18, 2016
“Você já dançou com o diabo sob a luz do luar?”

Meses atrás, na madrugada, um amigo meu veio me dizer que estava cogitando seriamente o suicídio. Esse texto é quase uma transcrição da nossa conversa.

(Se estiver lendo, me perdoe por usar isso, meu velho, mas nunca parei de pensar sobre e acho que a gente precisa compartilhar algumas conclusões daquela conversa com mais pessoas)

Em paralelo com vários desabafos muito fortes e pessoais e que não tem relevância a essa discussão, meu amigo falou sobre vida adulta. Uma das angústias que ele sente, nas palavras dele, era a noção de que nunca conseguiria passar da linha para a vida adulta, a ideia de “ser um fracasso”. Essa sequência de mensagens dele terminou dizendo que estava compartilhando isso comigo porque eu era um dos amigos mais adultos dele.

O que é ser adulto?

Acho que todo mudo tem uma versão de o que é ser adulto e a maioria herda a definição que a sociedade dita. Antes de contar minha própria teoria, vamos falar sobre a definição social que quase todo mundo herda: Para a sociedade, virar adulto é um rito de passagem.

Parece óbvio dizer isso, mas preste muita atenção no que digo. É um ritual muito específico e com etapas bem definidas a serem repetidas com exatidão e está presente em diferentes épocas e culturas. Até hoje, virar adulto é um rito de passagem: deixar pra trás sua vida antiga, abdicar quem você era e abraçar um novo mundo de responsabilidades, regras e deveres.

Para a sociedade, nossos anos de formação são um casulo e o que fazemos dentro desse casulo não importa realmente, o ponto é acumular apego por coisas que você vai ter que abandonar. O grande sacrifício. Mais do que vestibular ou qualquer outro suposto grande evento da sua vida. De agora em diante, sua vida vai ser usar camisa social e crachá até morrer. Se tornar adulto é provar que você não precisa mais dos jogos e quadrinhos e brincadeiras e músicas e assuntos e até relações que tinha antes de se formar. É aceitar só ser você nos feriados. É provar que você consegue abandonar sua identidade todo dia das 8h às 17h, com pausa para o almoço. E mais casar e ter filhos e uma religião e um carro e um bom emprego e saber dar nó em gravata e conseguir pagar a própria cova. Essa é a linha que se atravessa para ser chamado de adulto.

Radical? Exagerado? Eu sinceramente acho que não muito. Estou expondo uma versão caricata de todo esse mundo complexo, mas não foge muito disso. É como os monges budistas que abrem mão de tudo pela felicidade, mas nesse caso a gente abre mão por dinheiro (que fatalmente precisamos). Entre em um ônibus lotado no horário de ir pro trabalho e tudo que você verá são pessoas que queriam estar fazendo outras coisas.

Esse discurso não é uma apologia à síndrome de peter-pan, muito pelo contrário, mas é importante dizer que se você acredita que a habilidade de bater ponto e pagar contas é medidor de maturidade, está sendo ingênuo.

Agora vamos para minha própria teoria.

Por muito tempo eu tive o problema de me achar um moleque, uma criança. Eu achava que nunca seria visto como adulto. Talvez o problema fosse estar mais preocupado com a percepção das pessoas sobre mim do que em como eu me sentia em relação a mim mesmo. Esse desejo por ser visto como adulto só me gerava pressão, insegurança, tristeza, atraso.

Hoje sou visto como adulto.

Se me perguntar o que mudou e o que eu acho que significa ser adulto, penso o seguinte: em primeiro lugar, não existe linha. Não tem essa de “a partir de segunda eu vou ser adulto”. Pra mim, ser adulto é aprender a lidar consigo mesmo e com responsabilidades. Acho que é só isso que tem pra aprender.

Se parar pra observar por essa ótica vai ver que todo adulto que você conhece ainda tá tendo problemas com esses dois aspectos. Como tem que ser com todos nós, o tempo todo e pra sempre.

Quando eu era mais novo as fases seguintes da vida pareciam muito distantes e diferentes. No primário eu sonhava em ser da oitava série e quando cheguei lá ainda era criança, então chegando lá olhava para o terceiro ano do ensino médio como meta de maturidade. Chegando ao terceiro ano, claro, ainda era uma criança. A mesma coisa pra faculdade. Entretanto, com o acúmulo de experiências e travessia de várias dessas fases, a gente chega numa fase na qual todo mundo tá na mesma.

Ainda tem coisas que eu não me vejo de forma alguma fazendo, como pensar em ter filhos, mas no geral eu já olho pras pessoas mais velhas que eu e não vejo mais tanta diferença assim. A “próxima fase” já não é mais distinguível com tanta clareza, as fronteiras não existem. Eu vejo crianças mais velhas que eu e adultos mais novos. Eu vejo pessoas que agem de acordo com sua idade, se é que isso existe, e vejo um mar de pessoas que nunca saíram dos 15.

Eu vejo variações dos mesmos problemas e barreiras, se repetindo de novo e de novo e de novo.

O que muda? Eu.

E as responsabilidades. Sempre as responsabilidades. Nunca esqueça das responsabilidades.

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