Cor de Carmin

Rodrigo Cerqueira
Medium Brasil
3 min readOct 22, 2013

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De repente percebeu que estava quase nu, de cueca, deitado em sua cama sem conseguir se lembrar do que havia feito para chegar ali. Levantou. Dirigiu-se ao espelho que ficava na parede em frente a sua cama. Barba por fazer, que cobria quase toda a metade inferior do rosto, olheiras que denunciavam uma noite mal dormida e cabelos completamente despenteados davam a si um aspecto desagradável, que o deixava ainda mais intrigado sobre os acontecimentos da noite anterior.

Olhou rapidamente para todas as direções do quarto, como que buscando algo que pudesse lhe dar alguma resposta para todas as suas dúvidas. Uma dor de cabeça lhe afligiu. Dirigiu-se cambaleante ao banheiro em busca de um analgésico ou qualquer outra droga que pudesse lhe retirar esse tormento. Encontrou, ao invés do fármaco, uma pista, um elemento que talvez ajudasse a explicar os acontecimentos da noite anterior. Era um copo. Na verdade, a metade de um copo, que estava estilhaçado no chão do sanitário. Dirigiu-se, ainda cambaleante, àquele caco de vidro. Na tentativa de pegá-lo, acabou se cortando. Sangrou, mas não sentira dor. Na verdade, a cefaleia havia anestesiado qualquer outra dor que o seu corpo viesse a manifestar. Abaixou-se na busca de papel higiênico para limpar o sangue que escorria pela sua mão. Encontrou o papel, mas também uma segunda pista. Uma garrafa de um uísque barato, completamente vazia, repousada ao lado do vaso sanitário. As coisas agora se ligavam minimamente. Sua dor de cabeça era de ressaca. Havia tomado um porre na noite anterior, mas não lembrava de absolutamente nada.

Juntou aquilo que se tornara suas duas primeiras pistas dos acontecimentos da noite anterior. Colocou o copo e a garrafa do uísque vagabundo na escrivaninha que ficava ao lado da cama e em frente à uma janela, a única fonte de iluminação do quarto neste momento. Foi só então que notou a claridade que adentrava no minúsculo cômodo. Imaginou que horas seriam. Pela claridade do sol e pelo frenesi dos carros e dos pedestres que se amontoavam nas ruas, devia ser alguma combinação de hora e minuto entre nove da manhã e meio dia. Ao retornar para a análise das pistas que havia recolhido notou uma pequena mancha vermelha na
boca da garrafa da bebida barata. Aproximou-a dos olhos. Ainda enxergava meio turvo. Esfregou as costas da mão nos olhos fechados como que para limpar as suas retinas ainda inebriadas. Conseguiu distinguir o que parecia uma marca de batom. Um batom bem vermelho, naquela tonalidade que as mulheres escolhem para demonstrar ousadia e poder.

Não. Não estivera sozinho naquele quarto na noite anterior.

Aquela marca da silhueta de uma boca feminina agiu como um estopim. Como a faísca que aciona a pólvora de um revolver e deflagra a bala em uma velocidade subsônica, ao olhar para aqueles lábios cravados na garrafa, alvitres da noite anterior dispararam em sua mente. Subitamente começou a se lembrar de tudo. As memórias vieram, inicialmente, como flashes de pequenas lembranças pouco conexas, rodando em sua mente como um álbum de fotografias fora de ordem. Aos poucos as fotos foram
se organizando como um quebra cabeça auto montante e num apertar de play,um flashback cinematográfico começou a tocar, com as memórias
da noite anterior.

Batidas à porta. Uma silhueta envolta em um vestido preto provocante.
Cabelos longos e castanhos que cobriam 2/3 do rosto. Com o uísque vagabundo em umas das mãos. Entrando no quarto. Uísque no copo, copo na boca, cena que se repetiu uma, duas, três vezes. Tapa na cara, copo atirado em direção ao banheiro. Um longo beijo. Boca na garrafa, garrafa na boca. Outro longo beijo, dessa vez acompanhado de um forte gosto de malte. Vestido preto provocante no chão. Corpos entrelaçados e mais beijos. Emslowmotion os dois corpos caiam quase como um só na cama, e só. Era até onde conseguia se lembrar. Olhou novamente a garrafa e, sentado na ponta da cama, acendeu um cigarro. Deu uma boa tragada e esboçou um sorriso. Não tinha a menor ideia de quem era a dona, mas gostou das emoções que aquele batom cor de carmim, que parecia extraída do mais vibrante dos cochonilhas, lhe trouxera.

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Rodrigo Cerqueira
Medium Brasil

Economista brasileiro. Degustador de bebidas escocesas e charutos cubanos. Admirador de filósofos alemães e escritores russos e apreciador de comida italiana.