Depois da tragédia, uma história de solidariedade e reconstrução
Neste sábado, incêndio histórico em Lajeado completou 65 anos
Lajeado — Foi com assombro que a Lajeado de 65 anos atrás viu arder, na madrugada de 13 de janeiro de 1953, a Igreja Matriz Santo Inácio da época, num episódio que se tornou dramático na história da cidade. Da violência das labaredas sobraram apenas os três sinos, incorporados, em 1958, ao novo templo. Resta ainda a dúvida sobre as causas do incêndio que começou no porão da sacristia, que não tinha eletricidade.
Durante cinco anos, Lajeado ficou sem Igreja Matriz até a que comunidade construísse uma nova. Neste período, as celebrações foram realizadas em outros locais da cidade, especialmente na capela do Colégio Madre Bárbara.
Memória de infância
“Algumas coisas marcam”, diz o aposentado Ageu Kehrwald, que era criança em 1953. Ele tinha 5 anos e morava a duas quadras da igreja. De sua casa, pôde ver, atônito, o fogo que consumiu a estrutura da Matriz Santo Inácio. Das memórias de menino, que ele cita como a mais impactante, surge uma série de outras lembranças — das pessoas, do início da cidade, das rotinas da Lajeado de mais de seis décadas e da importância da igreja para as dinâmicas da comunidade. Por volta das 3h30min da madrugada há 65 anos, recorda Kehrwald, ele foi acordado por um alvoroço no Centro. “Despertamos com os sinos da Igreja tocando.”
Era comum, na época, sempre que havia um incêndio, tocar o sino. “No caso era a própria igreja que estava pegando fogo”, relembra. Ele lembra a ação imediata dos moradores, na tentativa de conter as chamas. Sem suporte de agentes como o Corpo de Bombeiros, que não existia na cidade na época, nas palavras dele, heróis anônimos evitaram que o Colégio São José — atual Colégio Estadual Presidente Castelo Branco — também virasse cinzas. A igreja queimou totalmente. “Meu pai ajudou. Eu fiquei com a minha mãe, enquanto ele foi para lá.”
Kehrwald lembra do antigo endereço da família, na Rua Silva Jardim, onde hoje está instalado o Sesc. “Vimos o incêndio de casa. Lembro até hoje da imagem da Igreja queimando.” Recorda que contornar as chamas foi um trabalho de horas, e que o fato foi assunto na cidade durante muito tempo. “Não havia incêndios assim. Era muito raro.”
Mobilização
Os lajeadenses que se uniram com baldes e mangueiras contra o fogo somaram esforços depois na reconstrução da Matriz. Autoridades e comunidade saíram em defesa da igreja, estruturas adjacentes e do Colégio São José. Já no domingo seguinte ao incêndio, 18 de janeiro de 1953, foi instituída a Comissão Central Pró-Reconstrução da Igreja Matriz da Paróquia Santo Inácio, liderada pelo advogado Ney Santos Arruda. Iniciaram um movimento que teve a participação até do Governo do Estado.
Para o pároco Antonio Puhl, que responde pela paróquia há 20 anos, este é um bom exemplo em que a solidariedade do povo esteve em evidência. A partir do relato das testemunhas e dos documentos históricos, para ele, o sentimento de união e colaboração em torno da reconstrução da Igreja Matriz após o incidente há 65 anos foram os responsáveis pelo fortalecimento da comunidade nas décadas seguintes. “Se as pessoas são conclamadas, ela veem.”
Nas missas do final de semana, o padre Antonio assegura que o episódio será relembrado. “Muitos têm curiosidade. A maioria que passa por aqui nem imagina que isso aconteceu”, pondera.
Mistério das causas
As causas não são conhecidas, conforme o Livro Tombo da igreja. É um mistério. O laudo técnico apurado pelas autoridades da época descarta a possibilidade de curto circuito, uma vez que o incêndio teria iniciado no porão. Na época, o pároco responsável era cônego Leopoldo Loch.
Em janeiro de 1953, em férias, havia se ausentado da função e, em seu lugar, estava o padre Clemente Hillesheim. Segundo relatos, o fogo durou cerca de 40 minutos e as labaredas chegaram a surpreendentes 20 metros, espalhando-se pelas torres antes de serem extintas. O cônego teve noticias do incêndio quatro dias depois — tempo que a notícia levou para chegar até Santa Catarina, onde estava.
Linha do tempo da Igreja Matriz
— Em 1873 a Igreja Matriz não existia. No local hoje ocupado pela estrutura foi erguida uma modesta capela.
— Os primeiros atos formais nos Livros de Registro datam de 1879.
— A partir da elevação do templo à Igreja Matriz, com a instalação da Paróquia de Santo Inácio, em 1881, reformas aconteceram no local. A igreja foi aumentada, recebendo um campanário e sinos sobrepostos.
— Adjacente à estrutura, em 1883, foi construída uma casa paroquial.
Crescia a comunidade lajeadense, perto do início do século XX. A necessidade de aumentar a igreja se tornou evidente. Em 1900 foi inaugurada a segunda Igreja, construída sobre a demolição da estrutura fundamental. Com duas torres, a Igreja Matriz adquiriu porte era uma estrutura imponente na cidade.
— O ano de 1913 trouxe a primeira grande reforma, e em 1926, a Matriz ganhou sinos importados da Alemanha.
— Em 1944 a antiga casa paroquial foi substituída por uma nova.
— O ano de 1953 reservou à Matriz um infortúnio: o incêndio que comprometeu toda a estrutura. Foi em numa terça-feira, 13 de janeiro, portanto, há 65 anos. Em 26 de agosto de 1953 iniciou a construção daquela se tornou a terceira estrutura paroquial em frente a praça.
— A nova nova Igreja Matriz foi inaugurada em 19 de abril de 1958, cinco anos depois de iniciada a construção. Essa é a estrutura que se mantém até hoje.
— O salão paroquial atual, no entanto, não é o mesmo. Em 1967 um forte vendaval atingiu a cidade e, junto com diversos outros prédios da cidade, trouxe o salão abaixo.
— Em 1981 casais organizaram a reforma do salão.
— Em 2010 a Igreja foi revitalizada por meio de uma grande obra com recursos captados do governo estadual. A Matriz encontrava-se com problemas, principalmente na torre, torreões, telhado e na cúpula, o que poderia ocasionar desabamentos e danos ao patrimônio.
— Foi investido mais cerca de R$ 1 milhão na obra de restauro, entregue à comunidade em 2011.
Fontes: O Informativo do Vale, em 26 de janeiro de 2017, e o livro Grãos de Mostarda, de autoria de José Alfredo Schierholt.
Texto originalmente publicado em O Informativo do Vale, em 14 de janeiro de 2018.