(Des)Encontros

Raphael Carneiro
Medium Brasil
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3 min readSep 2, 2016

A fumaça se misturava com as gotas da chuva, cada vez mais grossas. A vista não era tão bela quanto à do cartão postal exposto na banca a poucos metros. Mercado Modelo. Era o que estava escrito em uma fonte branca e robusta. O dia nublado e a visão turva da Baía de Todos-os-Santos combinavam com a expressão de Raquel. As marcas na pele lhe davam a aparência de ter vivido mais do que realmente viveu. Quem sabe essa seria a verdade.

Êta chuva que não para. Estava em um local coberto, mas não se mantinha seca. O caminho do ponto de ônibus até o segundo andar de um dos principais cartões postais de Salvador foi suficiente para lhe fazer tremer de frio. A água escorria por todo o corpo. O vento lhe acertava com novas gotas. Ainda assim, não largava o cigarro comprado por dois reais.

Desde que seu filho saiu de casa, a vida de Raquel se resumiu a andanças e encontros com desconhecidos por Salvador. Sexuais, em muitos casos. Carregava consigo a dor de não ter dado a atenção merecida à cria. O sofrimento aumentou após a notícia de que ele havia sido preso por furto. Seis anos de uma mágoa interna e uma vida descontrolada.

As visitas foram proibidas pelo próprio filho. Não aceitava que a mãe o visse naquela situação. Relutou por meses. Foi rejeitada na porta da prisão. O elo se quebrou. Não aceitava o destino que lhe foi traçado. Não veria nunca mais o filho. Sem contato, sem saber como ele estava, como vivia, quando sairia da cadeia, como sairia. Nada.

Toda a educação dada, todo o investimento feito para ter um filho ladrão. Só podia ser culpa sua. Havia falhado em algum momento. Entregou-se à vida como punição.

Enquanto a chuva caía do lado de fora do toldo de proteção do bar, Raquel permanecia inquieta na mesa. Levava e tirava o cigarro da boca em intervalos de poucos segundos. Entre uma baforada e outra, o olhar mirava o relógio. E o ponteiro teimava em não mudar de lugar.

Chegou a pensar em desistir do encontro. Mas eram essas saídas que ainda davam sentido à vida. Contudo, a demora era muita. Já tinha mais de meia hora além do horário marcado há duas semanas. Não tolerava atrasos. Ainda mais com um roteiro tão obscuro.

O encontro havia sido marcado através de uma mensagem no celular. Até aí, nada de estranho. Era assim que muitos homens se aproximavam dela. Mas, ao menos, diziam um nome — nem sempre o verdadeiro — e mandavam fotos — nem sempre a verdadeira. Dessa vez não. Um contato rápido, um valor acertado e o endereço onde deveriam se encontrar. Quis saber detalhes, mas leu promessas. Vou te fazer feliz, foi a resposta.

Não tinha mais como corrigir os erros do passado. Não tinha mais nada a perder. Aceitar ou rejeitar o encontro daria no mesmo. Ir, ao menos, seria uma aventura a mais. Buscava possibilidades futuras para manter as lembranças de uma mãe desleixada. Nada como um encontro atrás do outro para impedir os pensamentos de se voltarem para quem realmente amava. Um novo amor eliminaria aquele sentimento materno frustrado. Quem sabe um novo filho para corrigir a criação. Só que, até ali, apenas encontros casuais. E nada mais.

Pediu mais dois cigarros a pessoas ao lado da mesa e os sugou em minutos. Não dava mais para esperar. Tinha que programar um novo encontro para o dia seguinte. E assim ia. Um dia após o outro. Um encontro depois do outro. Uma distração precedida por outra. Levantou e seu coração disparou no mesmo instante. Precisou se equilibrar na mesa para não cair. Ao fundo, tão ensopado quanto ela, surgia a silhueta esperada. O passo apressado era de quem reconhecia o atraso.

- Demorei, mas cheguei. Desculpa, mãe!

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Raphael Carneiro
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Escritor. Jornalista. Autor da biografia Edvaldo Bala Valério (http://bit.ly/1FsvoYV/) e de Uma chance: contos e outras histórias (http://amzn.to/2cdMTcS).