Paulo Kawanishi
Medium Brasil
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5 min readJun 27, 2015

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Todos Juntos, Sozinhos

Paulo Kawanishi

Durante o filme Ela (Her), Theodore (Joaquim Phoenix) se apaixona por Samantha (Scarlett Johansson), uma inteligência artificial, cujo propósito inicial era ser seu sistema operacional. Não só o personagem de Joaquim que se apaixona, mas, dentro do universo do filme, Samantha chegara a ter sentimentos e, também, a se apaixonar por ele.
Durante a história dos dois, em um momento particular, Theodore fica abismado com o fato de que Samantha, sua atual paixão, não pertencia apenas a ele. Como se a possibilidade fosse cogitada apenas no momento de incerteza e angústia, ele a questiona e acaba descobrindo que ela se relaciona com outras centenas de pessoas.
A reação de Theodore é plausível. Afinal, o filme foi escrito por alguém que vive em nossa época, nosso contexto em que, uma relação amorosa não se dividiria e não seria proporcional. Samantha o estava traindo e ponto final.
Algum tempo depois de ter visto o filme, terminei minha leitura do livro Alone Together de Sherry Turkle. Neste, ela toca na questão das relações de amizade, mediadas pelas novas tecnologias digitais, serem mais superficiais e múltiplas.
A autora apresenta dizeres em que algumas pessoas veem, ao tentar lidar com a distância e suposta superficialidade da comunicação por NTD, a necessidade de que a outra pessoa atenda pelo telefone residencial. Só assim, a pessoa teria certeza de que seu amigo estaria centrado na conversa: ele não estaria com mais ninguém, vendo mais nada, ouvindo mais nada. A pessoa seria dela.
Turkle discute a ideia de se estar sozinho em conjunto. Penso que, no momento, não poderemos fugir de nossa situação de solidão, pois a concebemos como tal. Contudo, o marco histórico das NTD pode desestabilizar os sentidos e, talvez, a ideia de solidão pode mudar.

— Are you talking with someone else right now? People, OS, whatever… — Yeah. —How many others? — 8, 316. — Are you in love with anybody else? — Why do you ask that?

Só pontuando que não estou aqui para instigar ninguém a ter vários relacionamentos amorosos ao mesmo tempo ou começar a adicionar centenas de pessoas em suas redes sociais, partindo de um argumento que é o comum do momento atual.
O propósito é pontuar algo que Turkle faz bem: o que acontece atualmente não é responsabilidade das tecnologias digitais. Elas apenas proporcionam maneiras, através de sua virtualidade, para que possamos lidar com algo muito mais além do que simples facínio pelo o que poderia vir a ser uma Caixa de Pandora. Talvez, seja o que o Professor Leandro Karnal, da Unicamp, comenta em sua participação no Café Filosófico: somos sozinhos, mas, em um mundo em que se é proibido ser sozinho e, também, triste, produzimos conteúdo sobre nossas vidas, criando um espetáculo. Assim, segundo o professor, a pessoa teria a legitimação de sua própria vida a partir do curtir de terceiros. Eles diriam que sua vida vale a pena ser vivida.

Todavia, mesmo a sensatez de Turkle não a leva a lembrar que pensa, fala e olha a partir de um ponto de vista, abrindo-se apenas um horizonte para ela. O que está fora, ela precisa sacrificar pelo bem de adotar tal olhar. Não há outra maneira, segundo Derrida.
As mudanças atuais começam a proporcionar a possibilidade de que lidemos com várias tarefas, conteúdos ao mesmo tempo. Há algum tempo já se fala dos jovens que estudam, ouvem música, em frente ao computador. A questão é a eficiência de fazer ou não dessa maneira. Contudo, o múltiplo é constitutivo desse momento histórico e é preciso considerá-lo como tal e não como um erro a ser evitado.

The best thing about being me… There are so many “me”s.
- Agent Smith — Matrix

Vejamos: o múltiplo seria o plural de único. A ideia de pequenas unidades em conjunto, mantendo suas delimitações, suas identidades permanece, mesmo em grande quantidade. A individualidade não seria perdida e conseguiríamos delimitar qual é qual.
A possibilidade de se manter único já não parece ser uma opção atualmente. Quando estamos na web, pensamos ter nossa identidade, quem somos, protegido de qualquer influência em nossos perfis. O que esquecemos é que nossos perfis se formam, querendo ou não, a partir do que trago do outro. Posso ver alguma página que um amigo começou a seguir e gostar também; a ideia de compartilhar alguma postagem se resume em colocar algo de fora dentro do seu perfil. Não vemos, mas deixamos essa individualidade em um momento histórico anterior: é uma relação mais trans.

Como humanos, estamos inevitavelmente sozinhos. No momento atual, estamos sozinhos em meio a múltiplos com os quais não sabemos lidar.

Ignorar ou contestar o caráter trans do atual é, de certa maneira, perigoso. É desconsiderar certos fatos para se segurar, apenas, em um saudosismo, uma idealização.
O caráter trans da atualidade não é consequência das novas tecnologias digitais. Estas são, na verdade, sinais, materializações da situação em que o sujeito (pós)moderno vive.
Theodore mostra, então, o despreparo que nós, sujeitos de/em uma transição, temos para lidar com o que surge, com as mudanças tão significativas em nossas vidas.

Novas maneiras de processar a cultura estão intimamente conectadas a novos hábitos mentais que, segundo o pragmatismo, desaguam em novos modos de agir.
- Santaella

Devemos investir em um melhor entendimento de tudo isso que é novo e nos envolve. Deixemos a caça às bruxas para depois. Afinal, elas não existem mesmo. O medo é só nosso.
Precisamos viver com a tecnologia, não deixando nossos olhares desprovidos de criticidade. Vivê-las para, assim, melhor compreender como essas relações com vários, diretamente conectados, dá-se e o que podemos fazer quanto a isso.
Não é um processo de aceitação. É, antes de tudo. um estudo para que possamos fomentar, com melhores opções, os discursos educacionais que, inevitavelmente, lidará com esses sujeitos estará

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Paulo Kawanishi
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PhD candidate✒️ Freelance Writer (bylines: @intothespine / @FanbyteMedia / @nintendolife / @PCGamesN / @Polygon / @eurogamer /+) / 📧pkawanishi@gmail.com