E as linhas ficaram turvas

Rafael Pellon
Medium Brasil
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4 min readMar 17, 2015

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Direitos Autorais e o Futuro da Indústria Fonográfica

Na última terça-feira, dia 10 de março, uma decisão proferida pela justiça norte-americana causou impacto e gerou polêmica no mundo da música. Os cantores Pharrell Williams e Robin Thicke foram condenados a pagar 7,3 milhões de dólares por plágio da música de Marvin Gaye “Got to Give It Up”, de 1977. Os herdeiros de Marvin Gaye alegaram que os acordes da referida música foram reproduzidos na composição do sucesso de 2013 “Blurred Lines”, canção que já teria rendido mais de 16 milhões de dólares aos cantores condenados.

A controversa decisão representou uma das maiores condenações por plágio na história da indústria fonográfica. Foram 4 milhões de dólares por danos causados em razão da violação aos direitos autorais e 3,3 milhões de dólares pela indenização referentes aos rendimentos da música obtidos por Pharrell Williams e Robin Thicke.

Segundo os advogados de Pharrell Williams e Robin Thicke, a leve similaridade entre as melodias se deve ao objetivo dos cantores de evocar uma era — na qual Marvin Gaye era ícone e as batidas do “groove” e do “soul” estavam presentes na maior parte dos sucessos -mas não houve cópia de nenhum elemento protegido por direitos autorais. O que teria ocorrido seria apenas a reprodução do estilo musical do fim dos anos 70, não passível de proteção autoral.

Apesar da repercussão do caso, essa não foi a primeira vez que uma alegação de plágio ocorreu com canções de sucesso e músicos mundialmente conhecidos. Podemos citar como exemplo, o caso da música “Come Together” produzida pela banda The Beatles, em 1969, e acusada de ter a mesma melodia da canção “You Can’t Catch Me” do cantor Chuck Berry. O caso não foi ao judiciário e um acordo sigiloso extrajudicial foi firmado entre as partes. Da mesma forma terminou a acusação de Jorge Ben Jor contra Rod Stewart. O brasileiro alegou que o cantor britânico teria plagiado o seu sucesso “Taj Mahal”, de 1972, por meio da música “Do Ya Think I’m Sexy”, lançada em 1978.

Contudo, o precedente que mais se aproxima do ocorrido com os compositores da música “Blurred Lines” é o de Michael Bolton. Ele foi condenado pela justiça norte-americana a pagar uma indenização de 5,4 milhões de dólares pela canção “Love Is a Wonderful Thing”, de 1991, por ter usado elementos de música homônima lançada em 1966 pela banda Isley Brothers.

Disputas envolvendo violação a direitos autorais, como exposto, sempre aconteceram na indústria musical, sendo que na maioria das vezes foram resolvidas fora dos tribunais, por acordos firmados entre as partes. A composição extrajudicial era comum uma vez que a semelhança entre as batidas ou os tons de duas músicas nunca foi considerada argumento suficiente para provar o plágio. Para os tribunais, só poderia ser considerado plágio a cópia de elementos protegidos por direitos autorais como a letra e a melodia. No entanto, a decisão judicial no caso da música “Blurred Lines” representa um novo entendimento da justiça norte-americana em relação ao plágio de obras fonográficas, visto que acordes semelhantes foram suficientes para a caracterização de plágio.

Segundo os cantores Pharrell Williams e Robin Thicke, a condenação é assustadora para o mundo da música e deve impactar diretamente as obras dos artistas que queiram reproduzir estilos e homenagear seus antecessores por meio do uso de elementos musicais de outras épocas.

A inspiração artística sempre foi separada do plágio por uma linha tênue que, depois da condenação de Pharrell e Thicke, passou a ser considerada ainda mais estreita.

A polêmica decisão norte-americana ainda é passível de recurso, mas já impactou profundamente o mercado musical que, diante de uma mudança na interpretação do alcance dos direitos autorais de um fonograma, precisará se readaptar e passar a controlar as referências das novas canções aos acordes, tons e outros elementos contidos em músicas de cantores consagrados por gerações em épocas anteriores.

No Brasil, questões envolvendo plágio musical são controversas uma vez que não existe uma regra que seja aplicável a todos os casos ou defina exatamente o que seria ou não plágio de uma obra fonográfica.

Por esse motivo muito se discute sobre a alteração da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais) para que sua redação passe a refletir de forma mais eficaz o que seria ofensa aos direitos autorais. A exemplo do “fair use”, instituto do direito norte-americano, pretende-se definir na legislação brasileira que, para ser considerado plágio, o uso de uma obra deverá ser analisado levando-se em consideração fatores como: (i) a finalidade do uso; (ii) a natureza da obra protegida; (iii) a substancialidade do que foi usado da obra original, e (iv) o efeito do uso de terceiro sobre a obra.

Assim, apesar de estilos musicais não serem passíveis de proteção no âmbito autoral no Brasil, a referência musical a artistas e estilos reconhecidos deve ser efetuada com cuidado visto que a lei brasileira ainda é omissa nesse ponto e os tribunais pátrios podem sofrer a influência dos novos precedentes criados por tribunais estrangeiros que decidiram reconsiderar suas posições sobre o limite da violação a direitos autorais.

Rafael Pellon

Rafaella Perez

Fontes:

http://migre.me/p2YFy

http://migre.me/p2YH3

http://migre.me/p2YN7

http://migre.me/p2YOh

http://migre.me/p2YPI

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