ELETROCARDIOGRAMA PAULISTA.
Um poema cardíaco. g., 9–8–16
São Paulo tem um grande coração
E por seus átrios e por seus ventrículos
Entram e saem uma porção
De litros de sangue
Feitos de fumaça
Feitos de asfalto
Feitos de concreto
E de loucura
e poluição.
São centenas de anos
Trabalhando continuamente
Para bombear todo esse sangue
Toda essa gente
Pelos órgãos, pelas vias
Pelas ruas, avenidas
Da capital paulista
Do mundo-cão.
São veias e artérias
Preenchidas e entupidas
Pelo sangue de preto
E de pobre
E de puta
E de homem
E de polícia
E de ladrão
É sangue de gente
É sangue de bicho
Sangue humano, sangue sujo,
Sangue limpo, sangue azul
Todos canalizados
Pelo centro, pela favela,
Interrompidos pelo ódio, pela miséria
Bebidos pela boca sedenta
Da corrupção.
São tantas doenças
Acometendo a cidade
Mas ela não deixa de pulsar
E pulsar
E pulsar
E gritar em português
Inglês, francês, japonês,
Ô liberdade!,
Espanhol, crioulo,
Qualquer que seja a língua
Entre os edifícios
Correndo pelo asfalto
A voz é uma só
É a voz da insanidade
Da esperança
Da infelicidade
Da luta
Da bonança,
É a voz do homem e do menino,
Das moças pelo caminho,
Do gari e do prefeito,
Da cidade de São Paulo
Gritando os seus feitos.
São tantas pontes
Servindo de teto
Para tantas famílias
Com tantas histórias
Todas famintas e sozinhas
No meio da multidão diária
E embaixo da terra
Ainda há sangue correndo
Dentro de cada vagão, cada partida,
Cada estação uma história de vida,
Palmeiras-Barra Funda, ou no
Butantã,
É gente de monte correndo
Atrás do dia de amanhã.
São os carros, os ônibus,
As faixas, o trânsito,
De fora tudo parece
Parado, atravancado,
Lento, mutilado,
Mas olhe bem.
Olhe bem, bem de perto,
Olhe nos olhos dessa cidade
E da sua gente e da sua história
Ouça atentamente
O pulsar
Pulsar
Pulsar
De São Paulo.
Olhe
Ouça
Vê?
São Paulo é movimento.