Eu li os X-Men de Chuck Austen e minha fé na humanidade foi diminuída

Matheus Laneri
Medium Brasil
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10 min readDec 28, 2015

É foda, bicho

Chuck Austen chegava aos X-Men na edição #410, após uma “esquisita” e não tão bem admirada fase de Joe Casey nos mutantes. O autor tinha como missão trazer o lado mais heroico do time de volta ao título.

O início parecia brilhante. Até o nome do primeiro arco é sugestivo: Hope. E lá os mutantes lidavam com a segunda mutação de Black Tom Cassidy; Fanático virando um X-Man; o aparecimento de um novo integrante na escola, sendo este Sammy, o menino peixe, e por fim a volta do Destrutor (em coma), junto com a enfermeira Annie Ghazikhanian, uma mulher solteira que estava com a periquita em chamas pelo cara e que desejava um pai pro seu filho.

Posso destacar de antemão que a amizade entre Sammy e o Fanático é talvez o ponto forte de todo o trabalho de Austen no título.

Aliás, o tema SEXO é algo que martela fortemente nesta fase, como veremos adiante. Na primeira história já temos Stacy X (uma antiga prostituta), usando seus poderes de feromônios para deixar o vilão com a barraca armada e doidinho para transar, só para ele soltar os X-Men que estavam presos em suas garras (literalmente). Em seguida, temos a mesma personagem discutindo com outra mulher sobre o fato dela estar usando (ou não) um sutiã.

A melhor forma de sair de uma discussão é falando que você vai assistir um filme pornô

Mas voltando ao primeiro arco, temos duas pequenas histórias com a enfermeira chegando à escola dos mutantes e depois uma edição fechada focada no Estrela Polar, um cara que é gay E mutante. Austen trata os dois números até que com leveza, por incrível que pareça. Mas claro que na edição seguinte, Uncanny X-Men #415, ele já coloca uma mulher com seios avantajados se oferecendo para o Anjo. E aqui também há o início dos problemas que o autor tem com a Igreja Católica, expondo tais indignações por meio do personagem Noturno, que na época era um padre.

Complicado

Agora vamos nos aprofundar na história da enfermeira Annie. A mulher deposita todas as suas esperanças sexuais em um cara que está em coma. É algo não lá muito comum. Mas ela não liga para isso, o negócio é que ela realmente ama o comatoso Destrutor. Foda-se a sociedade, ela faz até piadas com isso. Chuck Austen também não está nem aí, o importante é você amar, seja uma pedra, um computador, uma pessoa em coma por qual você tem desejos sexuais ou algo assim.

Uma possibilidade interessante em uma conversa super normal

Falando em sexo, claro que o autor não cansa de colocar o tema em praticamente todas as edições que escreve, seja isso de maneira mais sutil ou não. Como, por exemplo, o fato da Stacy X aparecer pelada na cama do cara que deseja ser padre e fazer uma piada que ele não prefere criancinhas e sim que curte de verdade é deitar a madeira na mulherada. O roteirista, com certeza, possuía alguns problemas sexuais que o atormentavam na época.

Olha essa fera aí, bicho
Mãe e filho conversando

Austen ainda desconhece limites se aprofundando nos desejos sexuais da enfermeira Annie, atingindo o cúmulo quando a personagem começa a conversar com seu filho sobre namorados, desejos e ela fala em voz alta que a ex-namorada do Destrutor está voltando e que com certeza eles irão transar pra caralho e sem medo do amanhã. Isso é uma mãe conversando com o seu filho em uma tarde qualquer.

Provavelmente os editores lembraram o cara que ele precisava escrever alguma coisa que envolvesse os X-Men enfrentando ameaças ao universo mutante, e aí o autor saiu com um Maximus Lobo, que, como o nome entrega, uma pessoa que se transforma em lobo. Uma bobagem sem tamanho que não leva a lugar nenhum, com a ideia de que os mutantes evoluem para anjos, lobos, pessoas de gelo, wolverines, o caralho que for, só pra mostrar quem manda, a espécie dominante da porra toda. Como eu disse, uma merda sem tamanho.

No arco em questão (Espécies Dominantes, olha só), Austen volta a usar o personagem Noturno levantando questionamentos do porquê Deus permite que mutantes e humanos morram e que padres abusem de criancinhas (novamente o tema de sexo volta à tona). Essa não é a primeira e nem será a última vez que ele irá “debater” o tema religião, visto que o arco seguinte se chama HOLY WAR.

Minha reação ao ver a arte de Kia Asamiya

Mas antes é necessário abrir um parágrafo apenas para o desenhista Kia Asamiya. O cara é um superstar no Japão e foi convidado pela Marvel para desenhar os X-Men. O traço do sujeito é tenebroso de ruim e a imagem ao lado basicamente resume a única emoção possível ao vislumbrar a arte do citado. É algo que realmente não dá pra entender como uma pessoa desse nível consegue desenhar um gibi. Puta que pariu viu.

Depois de ler o arco desenhado pelo Asamiya, eu não tive forças para encarar o restante e fui dormir. Mas, no dia seguinte, eu estava lá forte e determinado a ler o run do roteirista inteiro. Logo de cara, em Uncanny X-Men #421, sou bombardeado com a informação que mutantes não podem ter AIDS por conta do Gene X.

E aí vem Holy War. No arco, os X-Men são obrigados a lidar com a Igreja da Humanidade, que tem um plano muito simples: transformar Noturno no Papa para derrubar a Igreja Católica. E todo este plano dá errado porque o personagem sentiu vontade de transar com uma mulher. Serião. Ah, e os vilões ainda estavam alimentando algumas pessoas com hóstias (ou algo assim) para depois explodi-las. E tudo isso surgiu por conta da líder dos caras ter sido estuprada por um padre (católico). Além disso, o roteirista usa O Arrebatamento como “plano” da Igreja Católica, sendo que na verdade isso vem da Igreja Protestante.

Se isso não é ter ódio dos católicos (e das religiões em geral), eu não sei de nada.

Após escrever tantas bobagens, chega o momento do casamento entre Destrutor e Polaris, e claro que teríamos as despedidas de solteiros de ambos, com direito a strippers e papos sobre sexo (claro). Só que este casamento não acontece porque Destrutor está apaixonado pela enfermeira Annie, graças aos poderes telepáticos do filho dela.

Logo depois, temos o enterro de um mutante do grupo, no qual Escalpo e Jubileu constatam na frente do túmulo que deveriam transar mais na vida, e claro, temos problemas envolvendo religião quando o cemitério quer retirar o corpo do local por conta do morto ser um mutante. Chuck Austen é foda.

E depois de tudo isso, chegou o momento de ler o magnum opus do autor: Draco. Aqui ele revela toda a verdadeira origem do Noturno e quem é o seu verdadeiro pai: o demônio Azazel. Os X-Men acabam indo parar em uma ilha com um monte de filhos do demônio, onde rolam uns papos que não levam a lugar nenhum, como por exemplo o fato do cara ter um monte de filhos só pra ele voltar para a Terra quando quiser (sendo que ele já está lá). Ou que o demônio da Bíblia é baseado nele.

Ah, e também tem o fato do Anjo ser descendente de uma raça de anjos mutantes que pegavam mutantes com aparência demoníaca e os tiravam da Terra. Isso sem falar que o sangue do Anjo é capaz de queimar a pele do Noturno quando eles entram em contato. Sim, é muita coisa acontecendo e eu nem sei explicar direito.

A simples ideia de Kurt Wagner ser um demônio de verdade tira todo o charme do personagem. Ele se parece com um, ele cheira igual a um, mas ele é um mutante. Um humano. Um humano tentando lidar com o fato que é mutante. Isso por si só tira toda a graça da metáfora do que é os X-Men. O brilho do personagem passa a ser inexistente com essa origem.

E como eu poderia esquecer do maior momento de todo o arco, que é o Homem de Gelo tendo seu corpo inteiramente quebrado (sobrando apenas a cabeça) e contando com a ajuda do Destrutor para reconstruí-lo a base de…mijo.

Sim, isso é real

O que se passou pela cabeça de Chuck Austen para criar o arco e depois um Homem de Gelo a base de mijo, ninguém poderá explicar. Mas devemos admitir que é um homem com uma imaginação extremamente fértil (e doentia).

Depois de ler isso, eu fiquei alguns minutos pensando o que eu estava fazendo com a minha vida e imaginando o que o roteirista tinha em mente ao escrever tudo isso. Mas antes que eu pudesse perceber, estava lendo as histórias seguintes sabe-se lá porquê.

E o arco seguinte era um pastiche de Romeu e Julieta envolvendo uma família de humanos versus uma família de mutantes com os X-Men no meio. Austen estava brincando de Shakespeare, um Shakespeare do século 21, só que com alguns distúrbios sexuais e sem limites, nem mesmo dos editores. Uma história que parecia uma novela da Record escrita por um macaco, em que temos robôs gigantes e dois mutantes tirando a roupa na frente da mãe dela e transando nos céus.

O Shakespeare que merecemos

Como se fosse possível, a situação pôde piorar. A Marvel espirrou o roteirista de Uncanny X-Men após todo o conjunto da obra de ruindade, mas o problema é que Grant Morrison saiu de New X-Men. E alguém precisava dar continuidade ao título.

E essa pessoa foi Chuck Austen. O pior é que o escritor ainda ficou com a missão de trazer o personagem Xorn de volta. Pra quem não lembra (ou sabe), Xorn era o Magneto (que veio a morrer no run do Morrison) e a Marvel queria porque queria que o personagem voltasse como OUTRA pessoa. Enfim, uma ideia de merda que gerou uma história de merda, envolvendo um irmão perdido do Xorn original.

Percebendo a cagada que fizeram, os editores permitiram que o escritor escrevesse mais um arco e botaram ele pra fora do título. Mas antes disso, Austen conseguiu estragar a única coisa boa que ele construiu durante todo o seu trabalho: a amizade entre Fanático e Sammy, o menino peixe.

GOOD BYE SWEET FISH PRINCE ;________;

Em uma trama sem sentido algum, em que o Fanático trai os X-Men para se juntar a Irmandade de Mutante para depois traí-los e voltar pro grupo dos heróis, o menino acaba morrendo graças a Black Tom Cassidy (o cara que é uma árvore lá do primeiro arco) de uma forma que, pelo menos, não envolve religião ou sexo. E a enfermeira Annie vai embora, provando que o amor que ela sentia por Alex entrou em coma e sem chance de reviver.

A fase Austen talvez tenha sido uma das mais difíceis e estranhas da história do grupo de mutantes da Marvel. O autor optou por dar foco no relacionamento entre personagens, só que eles parecem ter saído de filmes pornôs misturados com um Carlos Lombardi há um mês sem transar e Michael Douglas na sua fase viciado em sexo perturbando Catherine Zeta-Jones grávida.

Toda as interações entre eles eram algo que obviamente não era comum entre pessoas normais, afinal, quem fica discutindo necrofilia com alguém aí de forma natural? Além do desastre na questão de relacionamentos, o escritor não conseguia nem criar tramas de ação minimamente interessantes. Austen era um trem desgovernado sem freios morais e sem medo de ousar.

Aparentemente ele trabalhava sem editor, sem consciência e apenas com a sua vontade de ser audacioso e com algumas questões sexuais e religiosas para tratar. O escritor só saiu do título quando um editor viu que ele estava ultrapassando alguns limites:

Sim, o Homem de Gelo descobriria que na verdade ele é gay (muitos anos antes de Brian Michael Bendis fazer isso) e ele iria curtir um golden shower feito de mijo congelado.

Ler todos os gibis de Austen nos X-Men em sequência foi talvez uma das experiências mais aterroradoras de toda a minha vida e fez com que eu questionasse os limites que um ser humano pode chegar.

Minha fé na humanidade se foi. E Chuck Austen foi o responsável por isso.

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