Impeachment para vestir

Marcos Candido
Medium Brasil
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4 min readFeb 12, 2015

Marcos Candido

De intensos cabelos louros, uma mulher de olhar aterrador mira as lentes de sua câmera para o Arcos de Jânio, em São Paulo. Em cólera, narra que o prefeito Fernando Haddad (PT) permitiu um grafite estrelado por um homem negro. Em sua curadoria, ali está pincelada, “como uma mancha de sangue”, a face de Hugo Chaves, ex-presidente venezuelano falecido em 2013.

Ela é Deborah Albuquerque. Apoteótica e solitária, a moça pautou a Folha de S. Paulo, o Twitter do prefeito, e orquestrou debates políticos exaltados (“Fora CorruPTos”), constitucionais (“se a Dilma sair, quem assume?”) e boas risadas (“em caso de Impeachment quem assume é o Wagner Moura”). Junto do vídeo visto mais de 1 milhão de vezes, uma mensagem chama a atenção:

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Para financiar a página Revoltados ONLINE em que o vídeo foi divulgado, a ex-dançarina do programa Legendários mescla a fomentação política com modelitos que vão do tamanho P ao XG (ainda maior que o GG).

Há peças para todos os gostos e bolsos. Carro-chefe da coleção, as camisetas pólos receberam a maior atenção nesta temporada. Além da peça simples (R$ 99), há o kit completo com a polo “Impeachment Já”, um boné e cinco adesivos (R$ 175). Modelos masculinos e femininos.

A grande maioria das estampas são direcionadas aos mandos da gestão Dilma Rousseff (PT) na presidência. Mas não só. Há figurinos que alertam sobre problemas na educação, eventuais golpes comunistas, e até um apático Homer Simpson “para presidente”.

Fundada pelo empresário Marcello Reis, a loja prolART defende “patriotas e combatentes”. A renda, afirma o comunicado, é voltada ao “combate da pedofilia, desgradação do meio ambiente, maus tratos contra animais, corrupção na política, degradação dos príncipios básicos da família [sic]”. Mesmo com a garantia de “tecido com excelente qualidade”, alguns usuários se queixam: “estamos lutando por um mundo melhor e muitos não tem condições de pagar isso”.

Embora o preço encareça o desejo político do grupo, derrubar um presidente com a ajuda de trajes adequados não é inédito na história do Brasil.

Em 1992, o ex-presidente Fernando Collor sofria com a crise de uma abertura uma CPI na Câmara dos Deputados para averiguar a operação de seu governo. No horizonte, um processo de impedimento.

De retórica impecável e cabelo milimetricamente lambido, Collor convocou, em solenidade no Planalto, toda a “maioria fiel” para vestir as cores da “nossa bandeira”.

“Que saiam de casa, no próximo domingo, com alguma peça de roupa em uma das cores da nossa bandeira. Que exponham em suas janelas, toalhas, panos e o que tiver nas cores de nossa bandeira. Quero pedir isso a vocês e cobrarei de vocês. Porque assim, no próximo domingo, vamos mostrar onde está a verdadeira maioria” (Fernando Collor, 1992)

Contrariando o chefe do executivo, centrais sindicais e partidos da oposição foram às ruas vestindo um pretinho básico. Além do enfrentamento, queriam o Impeachment de um presidente que incitou a péssima combinação de verde, amarelo e azul em um único look. Justo.

Endossando as manifestações contrárias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — derrotado por Collor no pleito de 1989— foi flagrado em um inédito moletom preto. Na região do tórax, uma estrela solitária do PT foi bordada, como que vagando pela aura de luto oferecida pelo blusão.

Mal sabia Lula que nos anos seguintes a queda de Collor, o guarda roupa do Partido dos Trabalhadores também iria passar por uma reforma geral. O alto clero do partido ousou tons mais sóbrios em cerimônias oficiais, reforçando cores primárias e neutras.

“Para eleger ou cassar, é exigido o traje a rigor”

Coincidência ou não, Lula assumiu a presidência, em 2003, após seus comícios de cores quentes, usualmente ligado aos partidos socialistas, mesclarem toques de verde, amarelo e outras colorações primárias.

Conhecida pelos vestidos escarlates, Dilma tomou posse de seu novo mandato, em 2015, trajando um conjunto pastel, analisado e debatidos com prospecções políticas ou puramente fashionistas. Mudança ideológica? O partido nega. No fim das contas, é obrigatório o traje a rigor.

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Marcos Candido
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