Liberdade de Expressão no Carnaval

Rafael Pellon
Medium Brasil
Published in
4 min readFeb 19, 2015

Publicidade, entretenimento e responsabilidade social no advento das redes sociais

Na semana passada, peça publicitária da marca SKOL veiculada em abrigos de ônibus na cidade de São Paulo, com a mensagem “Esqueci o não em casa” causou polêmica nas redes sociais, depois que duas amigas, indignadas com a mesma, fizeram uma intervenção em um de tais abrigos e acrescentaram a frase “E trouxe o NUNCA”, com fita isolante preta.

O resultado da intervenção foi postado pelas amigas, a publicitária e ilustradora Pri Ferreira e a jornalista Mila Alves, em suas páginas no Instagram e no Facebook e teve repercussão bastante considerável — na última sexta-feira, 13, o post de Pri Ferreira já contava com mais de 25 mil curtidas e havia sido compartilhado mais de 8 mil vezes.

Segundo a publicitária, o anúncio traz o conceito de perda de controle e é “totalmente irresponsável, principalmente durante o carnaval que a gente sabe que o índice de estupro sobe pra caramba” e “além do ‘não’ para o abuso sexual, é muito importante dizer ‘não’ para drogas, ‘não’ para dirigir bêbado, ‘não’ para sexo sem camisinha”

Em nota, a anunciante se posicionou sobre o tema e afirmou que faria modificações nas peças:

As peças em questão fazem parte da nossa campanha “Viva RedONdo”, que tem como mote aceitar os convites da vida e aproveitar os bons momentos. No entanto, fomos alertados nas redes sociais que parte de nossa comunicação poderia resultar em um entendimento dúbio. E, por respeito à diversidade de opiniões, substituiremos as frases atuais por mensagens mais claras e positivas, que transmitam o mesmo conceito. Repudiamos todo e qualquer ato de violência seja física ou emocional e reiteramos o nosso compromisso com o consumo responsável. Agradecemos a todos os comentários.

Na sexta-feira, 13/02, o anúncio foi substituído por peças com as frases “Não deu jogo? Tire o time de campo.”, “Quando um não quer, o outro vai dançar” e “Tomou bota? Vai trás do trio.”, seguidas da assinatura: “Neste Carnaval, respeite”. Esta substituição não foi capaz de evitar a abertura de representação pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), na mesma data, motivada pelo recebimento de dezenas de denúncias de consumidores.

A resposta da SKOL após as reclamações

O início da circulação do anúncio da SKOL ocorreu em um momento em que o assédio sexual durante o Carnaval está em pauta. Na semana anterior, o G1 Bahia fez uma enquete na qual se questionava se o “o beijo forçado no Carnaval deveria ser proibido”, que foi duramente criticada nas redes sociais, em especial no Twitter. Entre os mais reproduzidos está o tuíte de Michael Renzetti (@mikerenzetti): “Claro que não, inclusive vários outros crimes deviam ser permitidos, é #festa”.

A questão do assédio sexual não é o único tema objeto de polêmica neste Carnaval. As assim chamadas “sátiras” a gays, lésbicas, travestis e transexuais, freqüentes neste período e substancializadas em marchinhas tradicionais como “Maria Sapatão” também têm recebido críticas nas redes sociais: as mais populares propõem novas letras, tratando de forma lúdica questões referentes a identidade de gênero e orientação sexual

Há, ainda, debate sobre manifestações consideradas racistas, como o tradicional bloco carnavalesco “Doméstica de Luxo”, existente há mais de 50 anos, que no final de semana pré-Carnaval reuniu milhares de pessoas em Juiz de Fora, formado apenas por homens com perucas “black power”, batom vermelho para engrossar os lábios e tinta preta no rosto e que provocou críticas da militância negra. Segundo a a escritora e militante Jarid Arraes “Aquela não é a imagem criada pela própria mulher negra. É criada pela elite branca, com exageros nas formas e curvas. Não dá para dizer que é inofensivo, que é diversão. É deboche.” Além do fim das “fantasias de nega maluca”, a militância pede o fim de marchinhas como “O Teu Cabelo Não Nega” e da reprodução de clichês como “mulata tipo exportação”.

Estas discussões não pretendem, de forma alguma, decretar o fim do bom humor e do “desbunde” típicos desta festa tão singular e brasileira. Entretanto, há que se diferenciar humor e ofensa; não sendo mais admissível a confusão entre diversão e a simples reprodução de pensamentos e comportamentos machistas, racistas, misóginos e de quaisquer outras formas preconceituosos. É necessário estar atento a estas pautas, que conquistam maior relevância a cada dia.

Nesta esteira, alguns anunciantes já se aproveitaram do contexto e divulgaram anúncios de oportunidade que refletem as mudanças pelas quais clama a sociedade. Uma delas é a Prefeitura de Curitiba, cuja presença nas redes sociais é considerada um case de sucesso e que publicou em sua página do Facebook, após a polêmica envolvendo o anúncio da SKOL: “‘Não’ quer dizer: ‘não’. Não importa de onde você é, respeite nossas mulheres.” A revista Nova, do Grupo Abril, publicou em suas redes sociais frases como “Estar bêbada não é estar disponível” e “Ter pegada é diferente de me pegar à força”, com a hashtag #nãoénão. Neste mesmo sentido segue a campanha “Neste carnaval, perca a vergonha, mas não perca o respeito”, coordenada pela ONU Mulheres Brasil e que transmite duas idéias: o homem precisa compreender os limites da paquera e a mulher tem que saber reconhecer a abordagem agressiva, constrangimento ou violência: “Neste carnaval, perca a vergonha. Denuncie. Ligue 180”.

Rafael Pellon e Karine Oliveira

Fontes: http://migre.me/oAL1H, http://migre.me/oAL2c, http://migre.me/oAL2G, http://migre.me/oAL55 e http://migre.me/oAZ2s

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