Mad Men, e a relação de (des)equilíbrio entre duas mulheres opostas.

Guilherme Sagas
Medium Brasil
Published in
6 min readAug 5, 2015

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Você pode ler ouvindo a playlist com músicas de encerramentos dos episódios da série, que eu criei no Spotify.

É seguro dizer que Mad Men foi o grande azarão da Terceira Era de Ouro da TV americana. Como é possível que Matthew Weiner, cria do showrunner de Família Soprano, tenha convencido os executivos da AMC a bancar uma série extremamente cara, de ritmo lento e centralizada na figura de um anti-herói trabalhando no mundo da publicidade? Não um policial, um chefe da máfia ou um professor de química fabricando drogas; um publicitário engomado.

A série foi exibida por 7 anos, contando impecavelmente a história da sociedade americana, entre o fim dos anos 50 e o começo dos anos 70, pelas experiências vividas nos corredores e salas de uma agência de publicidade.

Don Draper, o vetor e personagem principal da série, tem uma trajetória irregular de decadência e recomeço, apoiado em sua grande habilidade de convencimento e em sua dependência de relacionamentos complicados.

Mas, foi através de duas personagens secundárias que Weiner desenvolveu histórias que ampliaram o escopo da obra, mostrando o olhar feminino sobre uma era tão exclusivamente machista.

Mulheres opostas

Peggy Olsen e Joan Harris se conhecem logo no piloto. Joan, chefe das “meninas”, apresenta o escritório à nova secretaria de Don Draper, uma jovem de aspecto ingênuo e sonhador. O diálogo nesta cena marca o ponto de partida de cada uma para o crescimento paralelo de suas histórias: Joan sugere maneiras para que a nova secretária seduza um homem e garanta uma vida confortável no subúrbio. Peggy, de seu lado, apenas pensa em seu comprometimento com o trabalho e nas portas que podem se abrir.

Deste ponto, por grande parte das sete temporadas, o desenvolvimento destes posicionamentos permanece em expansão. Joan quer um homem que cuide de todos os aspectos de sua vida. Peggy procura um parceiro que entenda e apoie sua necessidade de crescer profissionalmente.

Peggy se torna redatora. Joan se casa com um cirurgião.

Joan começa a lidar com o fracasso do marido, e sua necessidade de voltar a trabalhar. Peggy encontra relacionamentos amorosos complicados no trabalho.

As vidas das duas seguem um balanço cadenciado, como uma gangorra. Sempre Peggy versus Joan, e vida profissional versus vida amorosa.

A outra mulher

Mas é em um episódio emblemático, The Other Woman, que os destinos das duas se cruzam de maneira mais forte, tendo Don como interlocutor de suas escolhas. O episódio gira em torno da conquista de uma das contas mais importantes da já então SCDP: a Jaguar. O ramo automotivo. A conta que pode colocar a SCDP no lugar que todos os sócios sonharam.

Enquanto Peggy é excluída das reuniões de criação, por, aparentemente, o ramo dos automóveis não ser lugar pra uma garota, Joan se vê excessivamente envolvida no resultado final da concorrência. Um dos executivos da Jaguar exige uma noite de amor com ela para influenciar positivamente seus colegas e entregar a conta para a agência. Todos acham a proposta indecente, mas um dos sócios faz o convite, sem conhecimento de Don.

A escolha de Joan é complexa, mas ali ela encontra uma oportunidade e uma espécie de redenção: deixar-se ser usada pela última vez, com a condição de alcançar uma posição que a deixe livre de sua dependência masculina definitivamente. Assim, ela aceita se prostituir em troca de tornar-se sócia da agência, parte do board e uma potencial milionária.

No mesmo episódio, Peggy lida com suas próprias decisões. Continuar sua lenta ascensão à sombra de Don Draper, e de outros homens do departamento de criação, ou largar tudo e ir para outra agência chefiar seu próprio departamento, sem ninguém para lhe guiar.

A sequência final é uma das melhores coisas da série. Uma cena emocionante entre Peggy e Don em que ela anuncia sua saída e o vê literalmente implorando pra que fique, seguida pelo anúncio da aquisição da conta da Jaguar, momento em que Don descobre o que Joan fez, multiplicando sua tristeza.

Peggy sai sem olhar pra trás, acompanhada pelo olhar preocupado de Joan. Peggy sai, Joan fica. Assim os caminhos das duas se opõem da forma mais aguda até então.

(As duas voltariam a trabalhar na mesma empresa no futuro, por conta de um fusão estratégica de agências.)

O (des)equilíbrio

Com a chegada da última temporada, uma reviravolta nos acontecimentos inverte novamente a posição das duas personagens. Após a dissolução e integração da SCDP à McCann, Joan perde sua posição, e ao ser assediada por um colega de trabalho, prefere cancelar seu contrato, saindo com menos dinheiro do que de seu direito, mas negando-se a ficar novamente nessa posição.

Peggy também é desrespeitada, sendo esquecida pela McCann, e quase contratada como uma secretária. Fica sozinha no escritório da SCDP, até ter um momento etílico e reflexivo com Roger Sterling, um dos sócios originais da agência, que culmina em sua entrada triunfal na McCann. Peggy também se negou a ficar em sua posição, mas decidiu não desistir e se fazer notar.

O derradeiro momento desse relacionamento complexo acontece no episódio final, quando Joan resolve investir o dinheiro que ganhou na saída da McCann para abrir uma produtora de vídeos. Ela tenta, então, contratar Peggy como roteirista e oferece uma sociedade na empresa, que se chamaria Harris-Olsen (e daria um belíssimo spin-off).

Peggy não aceita. Reconhece que teria mais poder sendo sócia de uma empresa, mas percebe que a McCann é o lugar para ela estar e onde poderia exercer todo seu potencial.

Pra concluir seus destinos, vemos uma sequência com desfecho forte e inesperado. Ao atender um telefonema de negócios, Joan vê seu amor indo embora, por não concordar com suas aspirações profissionais. Ao telefonar para Stan, seu colega de redação, para contar sobre uma conversa com Don, Peggy descobre o amor latente e recíproco pelo seu colega de trabalho, alguém que entende, apoia e compartilha de seus objetivos.

Peggy e Joan são duas mulheres de origens bem diferentes, que representam um pouco da jornada feminina na segunda metade do século passado. Complementares, divergem em opiniões e decisões, mas dividem a dor de serem subjugadas pelo poder masculino vigente. Encontram sua redenção em caminhos paralelos e opostos, numa movimentação complexa e encantadora, como suas próprias personalidades.

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