Marketing Digital ou Esquema de Pirâmide?

Odemilson Louzada Junior
Medium Brasil
Published in
6 min readSep 15, 2015

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Se muito se fala que a prostituição é a profissão mais antiga do mundo, algo que muitos deixam passar é que o estelionato também luta por esse título, e com boas chances de vencer. O malandro, o trambiqueiro, o um-sete-um… Certamente foi um deles quem convenceu a primeira moça bonita que não estava a fim de pegar no pesado a vender o desfrute de seus atributos físicos em troca de vantagens econômicas. Lá na aurora da humanidade, quando a primeira prostituta descobriu pela primeira vez que podia ganhar mais moedas em uma tarde se deitando a preço fixo com vários guerreiros do que a irmã dela em toda uma vida fazendo cestos de palha, o malandro já estava na ativa há muito tempo. Só que na encolha. Até porque malandro que é malandro de verdade nunca se considera, e tampouco diz, que é malandro. E nessas primeiras décadas do século XXI, milênios após as cenas que descrevi anteriormente, ele costuma se intitular “guru do marketing digital”.

Tive um colega de trabalho que embarcou nessa onda. Na ânsia de aumentar seus lucros, ele que já trabalhava de maneira esforçada e pouco especializada com criação de websites, descobriu um desses “gurus”. Em pouco tempo, percebi em meu colega aquele mesmo entusiasmo febril que se percebe nas vítimas recém-convertidas do marketing multinível, esquemas de pirâmides e afins. O nome do tal guru, semelhante ao de um personagem de novela mexicana, passou a ser repetido cada vez mais no escritório. Suas façanhas e capacidades de encantar plateias através de concorridíssimos webinars eram propagandeadas por meu colega, com admiração quase adolescente. Certa vez, ele chegou a louvar a vida bem sucedida do tal guru, que gravara um vídeo (hipoteticamente) através da webcam do laptop enquanto se encontrava hospedado em um hotel em Paris. Só que em nenhum momento do vídeo ele apresentou qualquer prova ou indício de que estaria de fato na Cidade-luz e não em Carapicuíba, Quixadá ou Xapuri. Nessa hora, alguns alarmes começaram a tocar lá no fundo da minha mente.

Amiga, não é bem assim…

Deixo claro aqui: estou longe de me considerar alguém com inteligência ou traquejo acima da média para lidar com malandragens em geral. Só que as experiências que a vida trouxe e a observação e aprendizado (não só com minhas vivências mas também com as vivências de pessoas próximas) fizeram com que eu me confrontasse algumas (várias) vezes com as tentativas e estratégias de cooptação dos malandros do marketing multinível e semelhantes. E o feeling da coisa toda passou a ficar mais fácil de perceber com o tempo. É quando você começa a perceber certas pistas que se repetem em muitos casos. Às vezes é um pitch de vendas febril, enlouquecido, over the top, pra vender um produto que se você analisa isoladamente, não é nada de mais (e muitas vezes até ruim mesmo). Outras vezes, um show de pirotecnia mais focado em te convencer que você VAI GANHAR DINHEIRO do que na qualidade do produto ou processo que estão tentando te convencer a comprar. Em alguns casos é toda uma estratégia de promoção de um determinado profissional em um super-especialista, sem que se diga (ou que se diga de maneira muito en passant) um só case que seja minimamente próximo em sucesso ao tamanho do oba-oba que se faz em cima do nome dele. Mas em todos esses casos, a parte mais perigosa é o fato de que essas estratégias são, assim como seus primos esquemas de pirâmide, previsivelmente não-sustentáveis. Pra quem monta um curso chamado

“10 dicas estraçalhantes de marketing digital pra centuplicar os acessos ao seu blog obscuro e te fazer ganhar milhões sem levantar a bunda da cadeira”

não importa se você vai alcançar qualquer resultado. O cara só quer te vender o cursinho dele. O livro dele. O webinar dele. Depois bye-bye. Como no esquema de pirâmides, o cara que está no topo ganha. O resto, vira escravo do faraó. E como é sabido desde a antiguidade, escravo só leva chibata.

Mas há uma parte ainda mais triste dessa onda de falsos gurus e estratégias vazias e malandras de marketing, que ao mesmo tempo é o motivo de sucesso de boa parte desses esquemas. Ela é baseada na ambição e/ou no desespero das pessoas. O malandro-guru sabe que para muitas pessoas o termo “dinheiro fácil” tem o mesmo efeito que Nutella em gordinhos. E ele também sabe que em períodos de crise ou recessão, aumenta o número de desempregados e eles se somam ao contingente de pretensos espertos atrás de dinheiro fácil. Aí cria-se outro público-alvo bastante promissor: o que se torna crédulo através do desespero. Muitas pessoas embarcam na onda por questões de aperto financeiro, achando que poderão trabalhar naquilo como uma rentável atividade secundária. Foi mais ou menos o que aconteceu com aquele meu colega que citei antes. Em pouco tempo sob a genial orientação do guru-master-foda das dicas matadoras, ele criou um blog onde publicava postagens e dicas que percebi rasas, pouquíssimo inspiradas e cada vez mais dispensáveis. Começou a encher o saco de todo mundo em sua lista de contatos para não só entrar e ler o blog, mas assinar sua lista de contatos e receber atualização de tudo, inclusive de várias propagandas de produtos, cursos, palestras e atividades ligadas a seu guru. Só que o blog continuou chato. Se você entrasse no blog, e visse os comentários das postagens, perceberia que 90% dos comentários era de outros colegas de curso, seguidores do guru, que também tinham criado seus blogs chatos e desinteressantes, formando um grupo fechado da chatice que só comentava um no blog do outro coisas como “nossa que postagem excelente”. Ah, os outros 10% dos comentários era de um ou outro parente ou amigo bastante constrangido. Estava claro, o blog não era um veículo de informação, era como comprar um jornal e nele estar escrito “bla bla bla” da primeira à última página. O objetivo era fazer você comprar o jornal, não lê-lo.

Amigo, não…

Pouco tempo depois dessa época do blog, eu já não trabalhava mais com esse colega, e tive algumas notícias dele. Ao que parece, estava tentando avançar na escala evolucionária da malandragem digital. Deixou de ser desenvolvedor de sites, e passou a se intitular “especialista em marketing digital”. Ao que parece, tentaria subir degrau por degrau a pirâmide para chegar ao topo. Só que ele esqueceu que no reino das pirâmides, geralmente ela desmorona logo que o malandro-faraó consegue bastante dinheiro. E quando um ex-escravo determinado a virar faraó tenta subir as escadas, pode estar ainda no meio do caminho quando começar a chover escombros.

Mas infelizmente, como dizia o personagem Azambuja, célebre malandro criado pelo falecido comediante Chico Anysio:

“Enquanto existir otário, malandro não morre de fome.”

Azambujismo digital, master level

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Odemilson Louzada Junior
Medium Brasil

Desde 1974 driblando a lei de Murphy. Conseguindo na maioria das vezes.