Me chupa com amor

Seane Melo
Medium Brasil
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9 min readJun 13, 2016
Cena da quarta temporada do seriado Girls.

Jefferson pergunta se sexo é muito importante pra mim e fico imediatamente aliviada por ainda só conversarmos pelo WhatsApp e ele não poder adivinhar minha expressão facial. Odeio esse tipo de interrogação. Quer dizer, por um lado é legal que ele queira começar a falar de sacanagem, mas a pergunta, sem exagero, soa como “você gosta de xixi na transa?”. Tipo, parece questão eliminatória. Quem indaga ou tá atrás de alguém pra mijar ou odeia isso, tem algum trauma e prometeu se prevenir de sair com qualquer um que insinue uma chuva dourada. É, eu sei o nome, acho que li naquele livro da Bruna Surfistinha.

Respondo que não. Quem eu tô querendo enganar? Ele já leu os meus textos! Para, logo em seguida, emendar:

“Mas não me imagino numa relação sem”

“Quer dizer, já passei muito tempo ficando com pessoas sem sexo…”

“Consigo curtir”

“Mas, assim, num relacionamento ideal tem sexo, né?”

“Digo, tem que saber o que cada um entende por sexo”

“Merda. Tinha uma resposta certa pra essa pergunta, Jefferson?”

Ele ri e garante que não. Claro que tem, Jefferson. E acho que errei. Ele me parece um cara bem monogâmico, sabe? Às vezes, cogito a possibilidade dele estar me cozinhando tanto só pra garantir que não vou transar com ele e partir pra outra. Por isso, fiquei naquela de responder “pô, claro que é importante” e ele entender que eu queria trepar todo dia (Eu quero), que não consigo ficar sem isso (Consigo, mas preferia não precisar) ou que descarto caras quando a transa não é boa (Olha, tá muito difícil descartar hoje em dia, Jefferson). Na real, acho que o meu maior medo era dele achar que dar muita importância pra sexo é o mesmo que dar pouca importância pra envolvimento afetivo.

Dou uma bufada enquanto penso no quanto é óbvio que sexo nunca é só sexo. Sabe, ouço umas amigas falando que queriam encarar a transa como eu encaro e fico me perguntando se elas não sabem que sou o tipo de mina que sairia por aí pichando “bom mesmo é transar beijando”. Tudo bem que eu curto muito dar de quatro também, mas acho que deu pra entender, né? É que não foi porque, no último ano, eu transei com mais caras do que algumas amigas nos últimos cinco anos, que eu não quis amar todos eles. E não tô tentando limpar a barra do sexo casual ou, pior, insinuando que começo toda relação sexual querendo um relacionamento estável. Não é isso. Eu só sei que digo eu te amo pra todos que me fodem bem. Porque, no duro, quando eles fazem direitinho, fico achando que eles entenderam alguma coisa muito íntima sobre mim e meus desejos. Eu fico caidinha mesmo.

Liguei uma da manhã perguntando se podia dormir lá porque tava perto e não tinha grana pro táxi. Ainda naquela noite, Ele, aquele cujo nome eu não conseguia repetir nem mentalmente, tinha curtido a foto que postei, no Instagram, com a blusa que me fazia sentir gostosa. E quando Ele, o meu Você-Sabe-Quem pessoal, curtia alguma coisa minha, eu podia apostar que ia pintar um booty call na semana. Já tava acostumada: a gente transava, Ele sumia por umas semanas e reaparecia curtindo alguma foto ou publicação nas redes sociais (sempre uma diferente) para, em seguida, fazer um convite no chat. Eu podia ter esperado a mensagem, mas ou a notificação da curtida tinha atiçado meus hormônios ou eu já tava perto de menstruar, nessa época fica foda. Então, aproveitei que tava pelas redondezas e que realmente tava sem grana pra jogar essa ideia. Se colar, colou. Do jeito que Ele era cuzão e queria ter todo o controle da situação, achei que ia ler a mensagem e me deixar num daqueles vácuos de amargar.

Pra minha surpresa, Ele respondeu imediatamente, perguntando em que rua eu tava. Enviei a localização e me disse pra esperar lá mesmo. Tava num táxi voltando pra casa e ia passar pra me buscar. Ainda me perguntei se tinha sido uma boa ideia e concluí que era melhor tentar nem pensar muito no assunto, ia me arrepender.

Entrei no táxi e percebi que não tinha ensaiado nada para falar. Hey! Ele também não parecia ter pensado no assunto. Olá. Depois que ocupei um lugar ao seu lado, no banco traseiro, seguimos em silêncio. O motorista olhou curioso pelo retrovisor, fingi que me concentrava no cinto de segurança.

Em dois minutos, estávamos no elevador e eu tentava beijá-lo enquanto Ele evitava alegando que os porteiros veriam tudo. Sempre dizia a mesma coisa e eu continuava pedindo pra ele me comer ali. Quando bebo um pouco, fico insuportável. E, confesso, me dava um certo prazer fazer Ele revirar os olhos.

“Eles só vão ficar com inveja”

“Hum…” — Ele disse coçando a barba — “Cê tá animadinha, né?”

Sua indiferença só durou até a porta abrir, me pegou pelo braço, me pressionou contra a parede e me beijou violentamente com boca de álcool e cigarro.

Parou repentinamente e lançou um olhar misto de divertimento e censura.

“Que foi?”

“O quê você tá fazendo aqui, heim?”

“Ué, tava sem grana prum táxi, não tinha arrumado carona ainda, aí lembrei que cê morava por aqui”

“Sei… você não veio aqui porque queria dormir comigo não, né?”, perguntou desconfiado.

“Não”, respondi passando por baixo do seu braço e entrando na porta que dava acesso à cozinha. “Se quiser eu durmo no sofá. Só preciso de um lençol”.

“Hum… Melhor não, meu irmão pode chegar”, disse mais para si mesmo. “Terminou? Então vamo dormir”, completou assim que me viu devolver o copo em que tinha bebido água para a pia.

No quarto, começou a perguntar sobre a noite enquanto tirava minha roupa e me beijava. Contei sobre as poucas músicas da festa que eu tinha curtido e reclamei da fila do caixa ao mesmo tempo em que ele chupava meus peitos. Qual o problema com o atendimento em São Luís, né? Nunca vou entender. Eu me esforçava para falar e dar detalhes irrelevantes apenas para parecer indiferente e não entregar de cara o jogo. Ele sabia me agradar, sabia que eu estava encharcada.

“Desconfiei que essa festa ia ser uma merda”, sentenciou depois que parei de falar. “Me chupa?”

Dei um beijo nele e esperei que se deitasse. Conhecia sua posição preferida. Deitei em cima dele, com a bunda virada pra sua cara e comecei o boquete. Acho que aprendi a gostar de oral com Ele. Ficava realizada quando o pau ficava, hum, como eu poderia dizer? Não é só duro. E duraço é de lascar, né? Tinha que arrumar uma analogia pra explicar isso, esse estado em que a coisa fica tão dura que parece que lateja, entende? Só que, quando penso em latejar, me lembro logo de um furúnculo que tive criança. Passou um dia latejando antes de estourar. É, até que a analogia funciona. Se é que você me entende.

Não sei porque tô perdendo meu tempo com isso. O que eu tava dizendo é que, quando eu deixava ele nesse estado que ainda não sei descrever sem assumir um ar de romance de banca com direito a membro rígido e tudo, era quase como se uma fadinha aparecesse e dissesse no meu ouvido: “Toma aqui tua estrelinha de chupadorona”.

Mas isso acontecia bem pouco, na real. E quando o pau dele parecia estar mais pra lá do que pra cá, eu respirava fundo, tentava não levar pro lado pessoal e sugeria alguma outra coisa, rapidinho, só pra não levar a culpa pela sonolência do rapaz. Parêntese. Precisamos falar sobre a meia bomba. Um dia ainda escrevo um texto assim no Medium. Fecha parêntese. Nessa noite, o serviço tava moleza. Talvez fosse o álcool ou Ele tava com muito tesão mesmo. A empolgação foi tão grande que não demorou preu sentir uns dedinhos inspecionando a minha buceta. Já que você insiste. Abri mais as pernas pra incentivar a exploração.

Se tinha uma coisa que ele fazia bem, era me masturbar. Isso e… Tirou o indicador da minha buceta e começou a massagear o meu cu. Sim, isso. Automaticamente, dei aquela relaxada. Mas, ainda com o seu pau na boca, dei um pequeno gemido de protesto. Putz, será que eu caguei hoje? Melhor não arriscar. “Não tomei banho desde que saí de casa, baby”, sussurrei. Ele recuou e eu continuei a chupá-lo. Ficamos assim por alguns minutos até ele estremecer de prazer e, impulsivamente, segurar minhas duas coxas dobradas e me puxar pra cima. Antes que eu percebesse, lambeu meu cu. Como reação, tirei a bunda do alcance da sua boca e voltei pra a posição inicial.

“Porra, assim não dá”

Fingi que não era comigo e continuei o boquete.

“A gente nunca vai dar certo se você não me deixar chupar seu cu, cara”

Escutei aquilo, parei de chupá-lo e girei meu corpo pro lado. Fiquei deitada na cama, olhando para o teto. Incrédula.

“Cê não vai dizer nada?”, perguntou.

“Você é um babaca”

“Por quê?”

“Porra, a gente transa há mais de um ano e cê acha que isso não é dar certo?”

Ele riu.

“Volta pra cá”

“Não tô no clima”

“Eu quero que você me chame de babaca na minha cara”

“Ah é?”, comecei a me animar.

O safado sabia me broxar como ninguém, mas também acertava.

“Me dá um tapa”

Sentei em cima dele enlouquecendo de tesão. Idiota. Ele me jogou de volta na cama e me dominou. Como sempre.

Depois que nos limpamos, do jeito que a preguiça permitiu, e jogamos a camisinha fora, Ele ensaiou um abraço desajeitado. A gente não sabia brincar de ser carinhoso.

“Sabe…”, eu comecei, “às vezes, quando cê tá me fodendo, eu tenho vontade de dizer que te amo”.

As palavras mal saíram e o tempo do quarto já tinha fechado. Não sei por quanto tempo ele ficou em silêncio, mas pareceu uma década até eu ouvir:

“Tenho um monte de trampo pra fazer amanhã, cê pode dormir aqui até oito da manhã, beleza?”.

Apertei o botão do relógio para iluminar o visor. Quase 4h.

Arrombado.

Não sei por que lembrei disso. Quer dizer, acho que sei sim. Sempre que penso em como os caras se equivocam achando que as minas sempre querem namorinho, me lembro dele. O figura era campeão mundial no equívoco. Fico exaltada só de pensar, sabe? Às vezes, tinha vontade de ser diretona com Ele e jogar a real. Teria dado meu cu e liberado todos os beijos gregos que quisesse. Era só dar abertura pruma intimidade, entende? Era só Ele não agir como se estivesse na quarta série, na hora de ir embora. No começo, eu ficava até meio ofendida. Porque parecia que ele tinha medo de mim e tudo. Que achava que tava me passando a mensagem errada. Mas, depois de um ano dessa palhaçada, eu só ria internamente.

Pensando melhor agora, talvez Ele soubesse que aquilo nunca ia dar em romance. Mas deve ter olhado esse meu corpo magro e minha cara de quem geme chorando e simplesmente decidido que fazia parte da nossa fantasia sexual fingir que eu era louca e ele, irresistível. De toda forma, acho que eu desempenhava bem o papel.

Já sabia que Ele nunca ia entender o meu lance. Eu preciso gostar das pessoas pra chegar onde quero. Me pergunta o que eu quero, Jefferson! Acho que mais sexo. Sexo no meio da semana, sexo rapidinho, sexo na saída do trabalho, sexo sem calcinha bonita, sexo sem tomar banho, sexo sem frescura, sexo sem clima, sexo menstruada…

Talvez seja melhor eu nunca dizer isso pra ele, não sei. Aliás, ainda não sei por que raios Jefferson quer saber se sexo é muito importante pra mim. As duas hipóteses mais simples para essa dúvida são: 1) Jefferson é viciado em sexo; 2) Jefferson tem problemas sexuais.

Porra, será que ele não fica duro?

Acho que se eu explicasse que amo literatura erótica e que tenho como desafio desenvolver uma narrativa atual, pouco convencional_ para não dizer muito coloquial e um pouco ranzinza_ e, principalmente, baseada em um olhar completamente feminino do sexo, esse projeto perderia um pouco da graça, né?

De toda forma, se você curtiu esse texto (tem outros antes!), ficaria honrada demais em receber recomendações e comentários. Acho que também toparia receber uns convites para publicações, uns depósitos inesperados na minha conta bancária ou suprimento vitalício de tapioca.

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Seane Melo
Medium Brasil

Jornalista e escritora maranhense, autora do romance “Digo te amo pra todos que me fodem bem”