NARCOS, nova série da NETFLIX: do pó vieste, ao pó retornarás.

Leobaldo Prado
Medium Brasil
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4 min readSep 2, 2015

Pó. Muito pó. Cadeias de montanhas de pó, cozido e processado numa floresta tropical da América do Sul infestada de sequestradores, mosquitos e comunistas ingênuos. Um imenso Saara branco, compactado e embalado sob medida para atravessar o mar e pousar nos narizes bronzeados dos cidadãos de Miami.

NARCOS’ é a série da Netflix protagonizada por Wagner Moura, com produção executiva de José Padilha (Tropa de Elite). E logo de cara: vale à pena passar 10 horas em frente à tela? Sim, vale! Não deixe a crítica despeitada do portal G1 enganá-lo, afinal, sabemos como a TV Globinho vem sofrendo com os serviços de streaming de vídeo. E não seja mais um ‘Zé picuinha’ a falar mal do sotaque do ator, é óbvio que seria impossível aprender as nuances da língua no timing demandado pela indústria cultural. Mais sobre isso daqui a pouco.

Uma startup de sucesso

Nos dez episódios da primeira temporada podemos ver como Pablo Escobar passou de muambeiro de fronteira a multi-exportador de cocaína, vindo a empregar mais químicos alemães do que a Bayer. O homem era um gênio e, se estivesse vivo, hoje, poderia facilmente deixar o negócio do tráfico e viver de palestras caríssimas para os aspirantes (sem trocadilho) a donos de startups no Vale do Silício.

Pablo Emilio Escobar Gaviria foi o narcotraficante que personificou o cartel de Medellín e fez das drogas um problema maior que o comunismo, nos anos oitenta. Depois dele, em vez de procurar por agentes russos com agendinhas vermelhas, escondidos em cada esquina, o governo dos Estados Unidos percebeu que era mais urgente barrar as toneladas de pó que chegavam diariamente ao país, de todos os cantos, de todas as maneiras: em navios ou aviões, em bolsos falsos ou dentro de estômagos, em sacas de café, caixas de brinquedos etc.

Quando Escobar descobriu a cocaína, foi paixão instantânea. Fazendo as contas em 47 segundos, ele percebeu que cada quilo daria mais lucro do que filas de caminhões lotados de TVs e videocassetes japoneses, e daí até a construção dos primeiros laboratórios de refino, foi um tiro. Para ser mais justo, foram tiros a rodo. Os assassinos que trabalhavam para o narcotraficante gostavam de matar pra ver o tombo, como se diz no interior de algumas cidades brasileiras. Nas ruas da pobre Colômbia, cadáveres eram como agências do Bradesco: estavam por todo lado.

Escobar profissionalizou a violência, otimizou a produção, cuidou da qualidade do produto, reduziu os intermediários ao mínimo inevitável, instalou novas rotas de entrega, elevou a propina ao estado da arte e, em poucos anos, viu seu nome impresso na lista de bilionários da revista Forbes. Do tipo que enterra dinheiro, visto que não sabe mais onde escondê-lo. Vai ser bom assim lá em Brasília.

Mas e a série?

Ora, a série mostra tudo isso em cores vivas, excelente fotografia, impecável reconstituição de época e atores quase sempre ótimos. A estrutura narrativa segue o conhecido perfil “Cidade de Deus” / “Tropa de Elite”, com um sujeito que conta a história, às vezes indo à frente, depois voltando ao período atual. Se não traz nada de novo, o didatismo não chega a atrapalhar.

O narrador é o policial Steve Murphy, interpretado por Boyd Holbroock. Agente da DEA (Drug Enforcement Administration), Murphy tem vasta experiência em apreender adolescentes-problemas, maconheiros lesados e traficantes incompetentes em Miami. Digamos que, em Medellín, o rapaz vai encontrar um contexto ligeiramente mais complicado.

Seu parceiro é Javier Peña, vivido pelo excelente ator Pedro Pascal, o Oberyn de ‘Game of Thrones’. No papel de anfitrião local, ele é responsável por conduzir o colega americano, evitando que o coitado se perca no idioma e nas vilas e ruelas tortas da cidade. Peña sabe tudo sobre informantes, bandidos e prostitutas, como se verá.

E Escobar?

Tá, Wagner Moura não fala como um colombiano, aparentemente. Então não presta, certo? Longe, mas muito longe disso. É claro que o ator já esperava chumbo grosso nesse departamento. Ninguém é perfeito. E nem todo mundo pode nascer em Rio Negro, Medellín. O que importa é que o talento de Moura é evidente e não pode ser negado nem pelo mais obtuso dos mortais.

Seu Escobar é contido, egocêntrico, bonachão e violento de forma quase sempre minimalista (com algumas exceções). Conseguimos ver e acreditar no pai de família, no populista que constrói casas para os pobres, no estrategista eficiente, no homem que sonha em fazer parte do Congresso… Wagner Moura dá conta de tudo, podem crer.

E o ritmo?

Irregular, é preciso admitir. Algumas partes tensas, outras meio arrastadas, talvez fruto da diversidade de diretores escalados. Mas a verdade é que a série funciona bem, como um todo, deixando o espectador sempre com vontade de dar ‘play’ no episódio seguinte. Esse é o propósito, não é?

Estamos diante de uma história bem contada, com momentos tão inacreditáveis quanto verídicos, que só poderiam mesmo ter ocorrido na América do Sul. Realismo mágico é pouco, amigos. Ao final, ‘NARCOS’ só confirma a habilidade da Netflix para reunir gente que entende do assunto. Você não vai se arrepender.

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Leobaldo Prado
Medium Brasil

Jornalista, locutor / narrador. Produtor e apresentador do podcast de literatura ‘Verso da Prosa’