O Briefing-com-batata-frita
Já falei antes sobre o mundo dos sites de intermediação de trabalhos para freelancers em outro texto, endereçando um questionamento específico, e de certa forma mais geral com relação ao assunto. Não esperava voltar ao tema (pelo menos não tão cedo) mas é aquela coisa: tem histórias que a gente não conta porque quer, elas é que nos obrigam a contá-las. Já que com essa é assim, como diziam naquele programa de TV, “senta que lá vem história”…
Como já falei antes, participo de um site de freelances, e os motivos e explicações a respeito desse fato estão no texto original. A questão é que às vezes aparecem pedidos de serviços um tanto peculiares. Uns beiram o plágio, outros flertam com o contraventório, ainda outros com a boa e velha canalhice mesmo, mas acredito que até o momento esse que testemunhei é o mais engraçado e, ao mesmo tempo estranho.
Eis que dentre as propostas oferecidas para redatores, jornalistas, produtores de conteúdo textual em geral, aparece um cara querendo um aparentemente inocente conjunto de textos para um site. Ele deseja todo o texto que o site terá. Interessante, vamos ver o volume de trabalho que ele pretende. Hum, são 30 páginas, segundo ele. Com uma média de 300 palavras por página, para a maioria das páginas. Beleza. Nove mil palavras, sobre o que é o site, vamos ver se ele explica. Explica sim, ele diz que a empresa é uma, peraí… eu li certo? Ele diz que é uma agência de marketing. Antes que eu olhe para os lados tentando descobrir se estou em um episódio do velho Além da Imaginação, meus olhos seguem lendo e como dizem, o que foi lido não pode ser deslido! Nosso amigo afirma com bastante ênfase o quanto esse conteúdo, que um freelance está sendo sondado para fornecer, por um preço provavelmente abaixo do mercado, SERÁ A BASE para serem considerados todos os quesitos estéticos e de layout do site. Só que logo depois, nosso novo gênio do marketing afirma de maneira bastante firme e categórica, que TODAS AS PÁGINAS JÁ ESTÃO DEFINIDAS. É, tem potencial humorístico esse projeto.
Seguindo o briefing mais estranho dos últimos tempos da última semana, nosso Washington Olivetto do Mundo Bizarro afirma que toda a criatividade do texto será do redator (freelancer, não esqueçam desse detalhe), de forma que ele ‘terá que pesquisar em bons sites também’ para poder transmitir a ideia, além é claro, das referências (imagino) que ele irá passar. Para ressaltar a relevância dessa necessidade de criatividade do redator ele explica que o texto precisa ser cativante e inteligente porque ele não deseja “só encher de conteúdo para preencher a quantidade de palavras”. Nesse momento eu pensei naquela regrinha de ouro da convivência humana que diz que quando uma pessoa se preocupa muito com determinada coisa, de maneira muito específica, e insiste nela, é porque tem a maldade da própria coisa na cabeça. Mas enfim, isso foi só um interlúdio meu, não vamos atirar pedras no nosso misto de Don Draper com José Dirceu.
A questão é que logo em seguida, nosso amigo ganharia o Oscar da Academia de comentário mais clichê e ao mesmo tempo contraproducente do ano (caso existisse), ao afirmar que “uma agência de marketing é pura criatividade”. E pensa que ele parou por aí? Não! Nosso gênio emendou essa observação merecedora de prêmios com a necessidade do texto ter “aquelas sacadinhas inteligentes ,bom humor, e coisas que de fato mostrem inteligência e criatividade de uma agência renomada, moderna e de resultados tangíveis”. Tá bom pra você? Pode até estar, mas para nosso amigo não. Ele continua: “Claro que profissionalismo acima de tudo, afinal grande (sic) multinacionais são atendidas por agências e querem segurança”. E agora? Tá bom pra você? Mesmo que esteja, para nosso querido Don Draper Olivetto Dirceu Bizarro ainda é necessário esclarecer para o incauto redator freelancer que irá redigir o maravilhoso texto que servirá de base para ser desenvolvido o layout do site dessa agência fantástica que atenderá “grandes multinacionais” que o texto tem que “ter pegada comercial”, precisará convencer dos resultados que a agência gera, e pra fechar com chave de ouro: vender o trabalho da agência.
Nessa hora, meu espírito curioso não aguentou mais. A paciência com a qual eu estava encarando a questão deu lugar a perguntas que brotaram do solo fértil da minha mente com inescapável velocidade:
QUEM tem uma AGÊNCIA DE MARKETING e pede para um FREELANCER* fazer um texto sobre o qual recairá não só a RESPONSABILIDADE DE VENDER a agência, como também será a linha mestra para decidir toda a linguagem visual do próprio site?
* aqui não quero dizer que o fato do trabalho ser passado a um freelancer seja algo menor, ruim ou desimportante, mas simplesmente um detalhe inusitado por ser alguém totalmente alheio ao negócio (e especialmente a que TIPO de negócio) do contratante, o que gera uma estranheza e tanto.
Uma Agência de marketing que pretende mostrar através de seu site que atende “grandes multinacionais”, pretende utilizar um trabalho cujos parâmetros são “sacadinhas inteligentes” e um texto que não seja “só encher as páginas de conteúdo”?
Bem, depois de testemunhar essa proposta que parece coisa de um filme da turma do Judd Apatow, só me restaram os questionamentos. Muito bem-humorados, diga-se de passagem. Acho que é a proposta mais figura que eu já vi. E olha que no mundo dos clientes muito loucos e seus briefings mais loucos ainda, isso não é pouca coisa.