O vizinho

Juliana Gallo
Medium Brasil
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2 min readAug 8, 2015

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Outro dia veio um casal fazer perguntas sobre o prédio onde moro, estavam buscando um apartamento novo e queriam saber algumas informações. Eu, como uma pessoa sincera, disse a verdade. Os moradores são ótimas, a limpeza é impecável, o síndico deixa a desejar e o vizinho é um pouco barulhento. Abri um sorriso amarelo e eles agradeceram a ajuda.

Bem, confesso que fui econômica em minhas palavras. Falei a verdade, sim, mas não a completa extensão da mesma, principalmente em relação ao vizinho.

Quem eu desejaria que vivesse em outra dimensão.

Eu tenho um vizinho insuportável, essa é a verdade nua e crua. É um desabafo direto e clichê, regado a suspiros e vontades de pular de raiva, o que eu não posso, já que estou com o pé quebrado. Não é simplesmente alguém que ouve funk à noite, o que, aliás, seria uma sinfonia de Beethoven perto do que eu só posso chamar de som ambiente do inferno, proveniente da máquina trituradora de cérebros no pátio de casa do infeliz.

A tal máquina é um gerador, não sei que tipo e não sei com que finalidade, porém, posso dizer que é algo não condizente com o século XXI, que permanece de três a quatro horas ligado ininterruptamente (muitas vezes de madrugada) todos os dias.

Tudo começa com o ataque sonoro à partezinha da massa cinzenta que comanda a paciência, seguida de fulminação a qualquer traço de felicidade, até que chega a um ponto em que a vontade é de se jogar da própria janela. Ou, menos dramático e mais realista, começar a jogar coisas no pátio dele. Como aqueles anjinhos de bochechas rosadas e expressões do capeta das lojas de R$ 1,99, muito comuns nos anos 90. Ou o ferro de passar roupa. Ou as minhas muletas, o que demonstraria o real desespero da coisa toda.

Não dá pra se acostumar. Ao contrário de um ruído chato que passa despercebido no silêncio e você só o percebe quando some, nesse caso há a plena consciência de algo invadindo a sua casa e os pensamentos, sem a mínima defesa ou argumento.

Naquele momento o gerador foi ligado e me despertou das divagações. Suspirei e abri a porta, chamando o casal que estava descendo as escadas. Eles eram o perfeito retrato da felicidade, tive pena de falar a verdade. Respirei fundo e iniciei o relato do vizinho.

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