OLHE-SE DE FORMA OBJETIVA, POR AARON SWARTZ

Este post é uma tradução de “Look at Yourself Objectively”, escrito por Aaron Swartz, em sua série de posts “Raw Nerve”, que eu traduzo aqui como “Dedo na Ferida”.

Guilherme Sagas
Medium Brasil

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Na metade do século 19, hospitais eram lugares perigosos. Mulheres que chegavam para dar a luz muitas vezes não sobreviviam. Na primeira clínica obstetrícia do Hospital Geral de Viena, por exemplo, 10% das mães morriam de febre puerperal depois de dar a luz. Mas também existiam boas notícias: na Segunda Clínica, o número de mortes era de 4%. Mulheres grávidas perceberam isso, e algumas ajoelhavam-se e imploravam para serem encaminhadas para a Segunda Clínica. As que descobriam que no dia do parto as pacientes estavam sendo encaminhadas para a primeira clínica, preferiam dar a luz nas ruas.

Ignaz Semmelweis, um assistente na Primeira Clínica, não conseguia aceitar essa ideia. Ele começou a procurar desesperadamente por explicações para essas diferenças nos números. Fez alguns testes, sem muito sucesso. Então, em 1847, Jakob Kolletschka, amigo de Semmelweis, estava realizando uma autópsia quando acidentalmente cortou-se com um bisturi. Foi um corte pequeno, mas Kolletschka ficou extremamente doente e acabou morrendo, com sintomas muito parecidos aos das mulheres que passavam pelo parto na clínica. Semmelweis passou a questionar se havia algum tipo de substância perigosa, responsável pelas mortes, nos cadáveres.

Para comprovar isso, ele insistiu que os médicos começassem a lavar as mãos com hipoclorito de cálcio, que ele descobriu ser útil para tirar o mau cheiro criado pelos cadáveres, antes de entrar em contato com as grávidas. Os resultados foram assustadores. Em Abril de 1847, a taxa de mortalidade era de 18,3%. Semmelweis institutiu a lavagem de mãos em meados de Maio, e em Junho a taxa de mortalidade caiu para 2.2%. No mês seguinte, o número caiu mais e, pela primeira vez, chegou a zero até o fim do ano.

Os médicos, ao invés de ficarem entusiasmados com a descoberta, ridicularizaram e atacaram Semmelweis. Ele foi demitido do hospital e expulso de Viena. “Nas publicações médicas, minha descoberta é ignorada ou atacada”, ele reclamava. “A faculdade de medicina de Würzburg premiou uma monografia escrita em 1859 na qual minhas descobertas foram rejeitadas”. E em Viena, centenas de mães continuaram morrendo todos os anos.

Semmelweis se entregou ao alcoolismo e seu comportamento tornou-se instável. Em 1865, ele foi internado em um hospital psiquiátrico. Apanhava dos guardas, era amarrado em uma camisa de força, e trancado em uma cela escura. Morreu logo, aos 47 anos, de complicações de uma ferida infectada.

Por que os médicos rejeitaram Ignaz Semmelweis? Bom, imagine você ouvir que é responsável pela morte de milhares de pacientes. Que matou pessoas que deveria proteger. Que é tão ruim no seu trabalho de médico, que seria pior estar em suas mãos do que dar a luz na rua.

Todos sabemos que as pessoas não gostam de ouvir coisas ruins sobre si mesmas. Nós saímos do nosso caminho para evitar isso, e quando confrontamos, tentamos minimizar ou criar alguma explicação. Psicólogos comprovaram isso em dezenas de experimentos: Faça estudantes passarem por um rito de iniciação constrangedor e eles afirmarão que a aula é muito mais interessante. Obrigue-os a fazer um favor para alguém que odeiam, e insistirão que gostam da pessoa. Forcem-os a realizar pequenos desvios éticos e logo eles estarão confortáveis para fazer coisas cada vez maiores. Em vez de aceitarmos ter errado, começamos a afirmar que os erros não foram tão grandes, e quando o próximo desvio surge, nós acreditamos nessas mentiras e continuamos errando. Odiamos tanto ouvir coisas ruins sobre nós mesmos que preferimos mudar nosso comportamento do que admitir o erro.

Não faz muita diferença se for um amigo apontando o que fizemos errado. Se ficamos tão assustados de ouvir de nós mesmos que cometemos um erro, imagine ouvir de outra pessoa. E nossos amigos sabem disso: a resposta para “Essa roupa me deixa gorda?” nunca será “sim”. Podemos até brincar sobre os pontos fracos de nossos amigos pelas costas, mas dificilmente falamos na cara. Até mesmo no trabalho, faz-se muito esforço para garantir que os funcionários sejam poupados das avaliações mais negativas de seus superiores. É isso que nos ensinam: faça cinco elogios para cada crítica, intercale feedbacks negativos com positivos. A coisa mais importante é manter a auto-estima da pessoa.

Mas, como Semmelwies mostrou, este é um hábito perigoso. Certamente, é horrível ouvir que você está matando pessoas, mas é muito pior continuar matando pessoas. Não é legal ouvir que você é preguiçoso, mas é melhor ouvir agora do que no momento de uma demissão. Se você quer aprender a trabalhar melhor, precisa descobrir exatamente onde você está.

Semmelweis foi derrotado o quanto podia ter sido. Mas nada mudou os fatos. Eventualmente, os cientistas comprovaram a teoria, e ele foi retratado. Hoje, ele é um herói internacional, hospitais e universidades foram nomeados com seu nome, sua casa virou um museu, e seu rosto estampa uma moeda na Áustria. Já aqueles médicos são vistos como assassinos.

Tente o quanto quiser, você não pode derrotar a realidade. Semmelweis estava certo: os médicos estavam matando pessoas. Demiti-lo, expulsá-lo do país, escrever longos livros para desacreditar suas reivindicações — nada mudou esse fato assustador. O que parecia uma argumentação ganha na época, acabou se provando uma grande derrota a longo prazo. Inclusive para as famílias que perderam entes queridos.

Mas imagine que eles tivessem admitido seus erros. Quando estamos sendo atacados, admitir que você pisou na bola parece a pior coisa a fazer. Se não nos defendermos, como alguém vai nos dar crédito? Admitir seus erros parece desistir; apenas prova que seus oponentes estavam certos. Mas é mesmo tão ruim?

Quando a Oprah começou a defender James Frey, foi atacada pela imprensa. Então convidou os críticos para seu programa, e disse “Vocês estão certos, e eu estava errada.” Não destruiu sua reputação. Pelo contrário, a resgatou. Quando o ônibus espacial Columbia explodiu, Wayne Hale, supervisor de lançamento, admitiu sua responsabilidade: “Em resumo, eu falhei em entender o que estavam me dizendo… Sou culpado por permitir que a Columbia explodisse.” Ele foi promovido. Quando JFK assumiu a responsabilidade pelo fiasco na Baía dos Porcos, dizendo “minha, e apenas minha”, os seus números nas pesquisas subiram.

Imagine a mesma coisa na sua vida. Se seu chefe começasse a assumir responsabilidade pelos problemas de sua empresa, ao invés de culpar os outros, você não gostaria mais dele? Se a sua médica fosse sincera e dissesse ter errado em algum procedimento, não seria melhor pra você? Se um político assumisse as falhas em suas propostas, não seria mais fácil acreditar nele?

Em momentos de grande stress emocional, nós ativamos nossos piores hábitos: nos aprofundamos e lutamos. A melhor saída não é ser um lutador melhor, é ser melhor em parar a nós mesmos, respirar fundo, e deixar a razão controlar nossos piores instintos.

Mesmo que nos olharmos de forma objetiva seja a melhor opção, nossos instintos naturais apontam em outra direção. Nós não apenas tentamos evitar informações negativas sobre nós mesmos, mas temos a tendência de exagerar os pontos positivos. Imagine que você e Jane se candidataram a uma promoção. Você quer tanto, que fica até tarde, trabalha nos fins de semana. Deixa escapar algumas coisas, mas mesmo esses pequenos erros têm suas justificativas. Jane nunca se esforça assim.

Mas se elas fizesse, você saberia dizer? Nós vemos o mundo sobre a nossa própria perspectiva. Quando temos que cancelar planos com amigos pra trabalhar até mais tarde, é fácil de perceber e lembrar. Mas quando o outro faz isso, nossa percepção não é a mesma. E é assim que os nossos erros fazem sentido sob nossa perspectiva. Nós vemos todo o contexto, e tudo o que levou a eles. Quando nós erramos, existe um motivo. Quando os outros erram, é porque eles fazem tudo errado.

Olhar objetivamente para si não é fácil, mas é essencial se quisermos melhorar. E se não buscarmos isso, ficamos a mercê de pessoas mal intencionadas que ficam a espreita de apontar nossos erros.

Não existe uma única solução, mas aqui estão algumas estratégias que eu uso para ter uma visão mais precisa de mim:

Aceite suas falhas. Esteja aberto a ver o pior de você mesmo. Lembre-se de que é muito melhor aceitar seu egoísmo, seus preconceitos e tentar melhorar isso, do que continuar de olhos fechados, sendo o único a não perceber isso.

Evite completamente eufemismos. As pessoas tentam suavizar fatos sobre elas mesmas tentando mudar o ângulo de seus erros. Declarar as coisas claramente facilita o confronto com a verdade.

Reverta suas projeções. Toda vez que você se perceber reclamando de outros grupos ou pessoas, pare pense: “é possível que alguém no mundo esteja fazendo as mesmas reclamações sobre mim?”.

Olhe para cima, não para baixo. É muito fácil parecer bom olhando para pessoas com desempenho pior. E, claro, você não é a pior pessoa no mundo. Essa não é a questão. A questão é se você pode melhorar, e pra fazer isso você tem que olhar para pessoas melhores que você.

Faça críticas a você mesmo. A maior razão para que as pessoas não digam o que realmente sobre você é o medo da sua reação. Mas as pessoas ficarão mais a vontade se você fizer criticar seus defeitos, mostrando que não existe problemas em fazer isso.

Encontre amigos honestos. Existem pessoas que são honestos de nascença. Para outros, é preciso tempo para construir uma relação com honestidade. De qualquer forma, é importante encontrar amigos em quem você possa confiar para lhe dizer verdades sobre você. Isso é muito difícil. Algumas pessoas obtiveram sucesso distribuindo um formulário para feedback anônimo para as pessoas enviarem suas opiniões.

Ouça as críticas. Como é raro encontrar amigos que vão criticá-lo honestamente, você precisa ouvir com um cuidado especial o que eles dizem. E é tentador tentar confirmar com outros amigos. Por exemplo, um amigo diz que um texto escrito por você não é tão bom, e você mostra pra outros amigos perguntando o que eles pensam, e eles acham fantástico! Parece que aquele outro amigo era apenas uma exceção. Mas a verdade é que a vai dizer que está ótimo por serem seus amigos. Ao acreditar apenas na palavra deles, você acaba ignorando a pessoa que foi honesta com você.

Tenha uma visão externa. Como eu disse antes, nós estamos sempre presos em nossas cabeças. onde tudo o que fazemos faz sentido. Então tente se ver de fora por um momento, acreditando que você não conhece nenhum daqueles detalhes. Com certeza o seu plano para ganhar muito dinheiro parece ótimo quando você o explica, mas existe alguma evidência externa de que pode funcionar?

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