One Drink Club

esther lourenço
Medium Brasil
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4 min readDec 4, 2023

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Autoria: Esther Lourenço

Eu estava andando na orla da praia no final da tarde, observando as pessoas no seu lazer de domingo envoltas pela atmosfera marítima e pelo ar quente que emanava do chão após um dia um pouco nublado, quando passei por um prédio branco, moderno, com curvas que pareciam reverenciar Niemeyer. De uma área de festas a céu aberto no primeiro andar deste edifício vinha um música que se destacava das outras que eu havia ouvido nos arredores naquela semana: era um som com diversas camadas, parecia imergir os ouvintes em um sonho ou talvez um transe. Olhei intrigada, me detendo por um segundo frente à misteriosa edificação, e percebi que uma pessoa alta, bastante magra e de pele preta me observava por trás de seus óculos escuros de gatinho, meio anos 60. Senti o impulso de seguir andando por ter sido flagrada em meu sutil voyeurismo, mas algo me deteve e fiz um sinal com o dedo pra que viesse até mim, em parte com esperança de que não fosse ser interpretada ou levada a sério. Um sorrisinho se desenhou ao longe no seu rosto, seguido pela resposta que imitava o meu gesto. Congelei: estava sendo convidada a entrar.

Atravessei lentamente a rua sem permitir que a pergunta da auto-preservação adentrasse minha mente questionando se aquilo era uma boa ideia e aguardei em frente ao portão. Aquele ser mágico logo veio ao meu encontro, instruindo o porteiro a me deixar entrar. Subi as escadas surpresa com o jardim colorido que recepcionava os pedestres, completamente invisível do lado de fora. O prédio por dentro era muito mais verde do que deixava transparecer, com plantas suspensas, hortênsias, floridos balões chineses e uma variedade de tons e cores que me fizeram pensar no prédio como um Niemeyer no País das Maravilhas.

Um sorriso e um abraço me recepcionaram, acalmando meu êxtase:

-Que bom que veio! Entra, você vai gostar.

A música estava agora mais alta e era uma dança auditiva de sintetizadores que flertam com o techno, mas sem ritmos tão marcados, dando àquela paisagem uma atmosfera casual e leve, muito longe do ordinário. As pessoas não pareciam ser locais, na verdade nem pareciam desse planeta. Era um misto de cores de pele, de cabelo, de tecidos: uma mulher com combinações estranhas de saia e blusa digna de passarela contrastava com um casal com roupas de ginásticas, e no final todos pareciam confortáveis com a ausência de um dress-code.

Fui levada até o bar e, com um ar solene, ouvi as seguintes palavras que mudariam minha vida para sempre:

-Você tem direito a um único drink pelas próximas seis horas. Escolha com cuidado.

Observei o bar com as sobrancelhas erguidas, vendo o bartender misturar morangos em um copo com as habilidades de um mágico, rodeado por bebidas e luzes cintilantes. Gin-tônica? Caipirinha? O dia pedia algo refrescante.

-Eu tenho o dia todo — ouvi e dei risada.

-Ótimo — respondi sorrindo sem tirar os olhos do cardápio — Eu quero um Sex on the Beach — concluí satisfeita.

-Bem-vinda! Eu me chamo Lu, qualquer pronome me agrada desde que parta do seu coração, e você está tendo a honra de participar de um encontro do One Drink Club.

-Uau. Obrigada! — não paro de sorrir — E o que seria isso?

-É um clube seleto que tem como única regra adotar o estilo One Drink pra vida em qualquer situação. No caso, beber apenas um único drink, independente do teor alcoólico, por seis horas. Garrafas inteiras não valem — riu — Uma longneck, ou um aperitivo, um shot, qualquer coisa. E como todos compactuam com isso, a bebida deixa de ser uma pressão, pelo menos nos nossos encontros. Qual seu nome?

-Estou tão surpresa que até esqueci de me apresentar. É Esther.

-Prazer, Esther. O primeiro é por minha conta — piscou pra mim enquanto pagava o atendente, que havia acabado de me entregar a bebida que mais parecia um circo com guarda-chuvinhas, frutas espetadas e borbulhas coloridas.

-Muito obrigada! Saúde! — brindamos e dei um gole. Estava perfeitamente equilibrado em teor alcóolico, sabor e doçura. Sorrio — Tem algo na ideia da coisa toda que é muito original e conservador ao mesmo tempo.

-Conservador? — Lu se espanta.

-Sim, essa coisa de impor limites, regras. Não acha um pouco conservadora?

-Entendo o que quer dizer, mas acredito que não tenha a ver com conservadorismo. Primeiro que é um comum acordo, ninguém aqui é obrigado a nada. Como em uma boa relação de BDSM — e pisca pra mim enquanto andamos em direção à vista pro mar — Em segundo lugar, conservador é aceitar imposições sociais que te oprimem e fazem mal para o seu corpo só porque os outros decidiram que certos condicionamentos são toleráveis — Agora o mar está aberto à vista e alguns dourados fogem por entre as nuvens pra iluminar uns garotos jogando bola próximo de onde eu estava antes de ser chamada pra entrar. — Você nunca aceitou beber mais só porque alguma outra pessoa te induziu ou até forçou a isso? — eu balanço a cabeça positivamente — O Drink Club é uma espécie de rede de suporte contra essas situações. Não queremos parar de beber de vez, mas queremos ter a certeza de que nossos corpos estão sendo ouvidos, cuidados e amados. Também temos diversas críticas à indústria do álcool e enxergamos os problemas sociais relacionados à bebida. Queremos apenas que o prazer não se torne um peso e, como pode ver, somos muitas cabeças nesse mesmo propósito.

-Eu amei. Como faz pra entrar?

-Se quiser, já está dentro. É só começar com este drink. Ou melhor: parar nele.

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