Primeiro ele, depois eu

Raphael Carneiro
Medium Brasil
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4 min readAug 14, 2015

Para falar a verdade, nunca achei que meu filho fosse dar algo que prestasse. Desde pequeno era um completo desleixado. Vivia perdendo as coisas, arrumando confusão, fazendo merda. Chegou a ser expulso de um colégio ainda na segunda série. Você não vai acreditar, mas ele jogava papel molhado com cuspe no teto para cair na cabeça dos professores. Você está rindo porque o filho não era seu. Não era você quem tinha que ir à sala do diretor todo mês para ouvir queixas e ser tratado como um pai ruim.

Eu fazia tudo para educar aquele menino. Mas não tinha jeito. Minha esposa e eu demos a mesma educação para a irmã dele, que tem dois anos a mais, mas não funcionou. Dizem que é coisa de personalidade. Você precisa ver como ela é uma menina educada, fez faculdade de direito e hoje é juíza. Já ele, coitado, rasgava até os boletins dela para que a gente não visse. Uma peste.

Quando entrou na adolescência, tive que esconder as chaves e os documentos do carro. Pegava o carro escondido e saía por aí. Foi pego pela polícia, bateu em poste, capotou. O anjo da guarda dele que ajudou a não ter um problema maior. O pior de tudo é que quando eu ia dar uma dura, ele resmungava, batia o pé e achava que o errado era eu. Quando eu dizia não, o errado era eu. Mas eu sempre alertava: “quando você tiver um filho, você vai entender”.

Na verdade, eu rezava para que ele nunca tivesse um filho. Imagina um moleque daquele, que não consegue cuidar de si mesmo, com a responsabilidade de educar uma outra pessoa. Não podia dar certo. Por isso, meu desejo era de que esse neto não chegasse tão cedo. Eu me contentaria com os netinhos vindo de minha filha.

A mãe dele e eu rezávamos para que as namoradas dessem jeito no rapaz. Mas veio uma, duas, três. Eu perdi as contas. Sem falar naquelas tais de “peguetes” que ele me arrumava. Cada semana era uma menina nova dentro de casa. E tinha que ser tudo do jeito dele. Se uma reclamasse de alguma coisa, ele mandava embora e já ligava para outra. Ô menino complicado esse.

Era briga em festa, bebida demais, vomitava a casa toda, corria que nem um maluco com o carro. E quando fez 18 anos, então…aí que eu não podia falar mais nada. Queria até colocar para fora de casa, mas você sabe como é coração de pai. Sei que ele está errado, mas é meu filho. Eu não podia desistir de tentar consertá-lo.

No final, não fui nem eu quem fiz isso, mas uma bela moça. Ele se arrumou aí com uma menina do interior e mudou da água para o vinho de um dia para o outro. Já não brigava para sair com o carro, não bebia demais no fim de semana. Você sabia que ele parou até com a bebida depois de um tempo? Pois é, rapaz. Se transformou em um novo homem. Quem diria, hein!? Tem até alguns amigos que ele se afastou. Quando o telefone toca, ele pede pra alguém atender e dizer que ele está passando mal.

Mas ainda assim, vez ou outra, ele aprontava das dele. E eu de cá rezando para que a menina não desistisse antes de dar um jeito de vez. Eu podia até não conseguir, mas contava com a ajuda dela para transformar aquele moleque em alguma coisa. Eu sou o pai, pô. Quero ver meu filho bem.

Eles foram morar juntos e até começaram uma vida bem. Ele, do jeito largado que é, nem quis pensar em casamento. Mas eu via que ele gostava dela e dava força para que dessem certo. Até que um dia ele me veio com a notícia de que ela estava grávida. Aí eu pensei: lascou tudo! Agora que o menino estava encontrando o caminho vai se perder de vez de novo.

Mas sabe que foi ao contrário? Aí foi que ele se endireitou ainda mais. Eu achava que não poderia me assustar mais na vida, mas me surpreendi. A mãe dele, então, coitada. Chora toda noite. Ela tinha feito uma promessa de fazer caruru todo mês se o filho tomasse jeito. Já vai para o sexto caruru do ano. E as velas dos santinhos lá de casa não acabavam nunca. Essa mulher rezou tanto que eu acho que os santos resolveram dar um jeito para parar com tanta ladainha.

Nada disso me deixou tão emocionado quanto o que aconteceu no almoço de ontem lá em casa. O menino estava todo educado, um lorde. Chegou na hora marcada, a roupa arrumada, disse que já tinha comprado tudo que o filho precisava, ia reformar a casa e até comprar um carro novo. Passei o almoço todo sem acreditar naquilo. Quando todo mundo se levantou da mesa, ele veio para o meu lado. Pegou firme em minha mão e disse:

- Pai, agora eu sei por quê você brigava tanto comigo. É uma coisa especial saber que você vai ter uma continuação nesse mundo.

Aquilo ali fez meus olhos se encherem de lágrimas. Mas, homem que sou, segurei firme. Até que ele apontou para a barriga da esposa, se é que posso chamar ela assim, e completou:

- Agora eu aprendi a lição que você me deu. Primeiro ele, depois eu.

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Raphael Carneiro
Medium Brasil

Escritor. Jornalista. Autor da biografia Edvaldo Bala Valério (http://bit.ly/1FsvoYV/) e de Uma chance: contos e outras histórias (http://amzn.to/2cdMTcS).