o lençol da casa 14

gabriela arthur
Medium Brasil
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2 min readOct 5, 2014

ela abre o olho pela primeira vez naquele dia e toma um susto. não reconhecia aquele lençol e um corpo nu a tinha envolta em seus braços. não sabia onde estava, mas parecia ter consentido estar ali.

fecha os olhos.

entre uma das poucas coisas que consegue lembrar estava uma promessa repetida por ele algumas vezes: não fazer nada que ela não quisesse. não entendia porque aquela frase havia sido proferida tanto. era como se ela não devesse querer algo. ou talvez o querer dela iria decepcioná-lo. mas ela queria, e não se importava em decepcionar ninguém.

abre o olho pela segunda vez.

dessa vez aquele lençol já é familiar, mas não é o de sempre. já estava se acostumando com aqueles braços, e nem liga para os pêlos a mais que colavam no seu corpo. fecha os olhos.

estava imóvel, e fingia para si mesmo que não conseguia se mexer. no fundo, só não queria acordá-lo. ela ainda não tinha se acostumado totalmente com aquele lençol, e queria alguns minutos a mais na cama para se lembrar do nome dele.

ela abre o olho pela terceira e última vez.

ele agora já acordou e também hesita em mudar de posição. talvez não saiba por onde começar uma conversa. ela sabia que o nome dele começava com R, mas não conseguia se lembrar nem da segunda letra.

os dois permaneciam em silêncio. até que ela, incomodada com a quietude do quarto, elogia a maciez do lençol, a única coisa com que construíra intimidade naquele espaço. ele não emite uma palavra sequer sobre o assunto. talvez não saiba como continuar uma conversa sobre um pedaço de pano.

ela levanta, se troca, e diz que precisa ir embora. em silêncio, se despede do lençol. os dois nunca mais se encontrariam, mas ela lembraria para sempre do toque suave daquele tecido em seu corpo.

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