São tempos difíceis para os viajantes idiotas

Ou “sou idiota por ajudar sem esperar nada em troca?”

Alice Mayumi
Medium Brasil
3 min readSep 4, 2015

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Era uma vez um viajante.

Se você leu um mangá chamado Fruits Basket, conhece a história d’O Viajante mais idiota do mundo. Caso contrário, um breve resumo (bem breve mesmo, faz tempo que eu li):

Era uma vez um viajante. Ele estava em suas andanças quando avistou uma pessoa que implorava ajuda, pedindo que o viajante entregasse alguma coisa que ele tinha (não lembro o que). O viajante sem pestanejar entregou, e nem percebeu que a pessoa na verdade só tinha enganado-o. A história se repete com outros indivíduos que vão abordando o viajante, sempre pedindo algo que ele tenha, e ele sempre entregando. A história termina com o que sobrou do viajante (a cabeça) entregando os olhos para um demônio que, pregando nele uma última peça, deixou um papel ao seu lado dizendo que era um presente. No papel só estava escrito “idiota”, mas o viajante, que não podia enxergar, se emocionou e agradeceu por ter finalmente uma retribuição por suas ações. Logo em seguida, ele morreu.

No mangá, essa história é usada por um personagem chamado Momiji para justificar as ações da protagonista, que sempre faz de tudo pelos outros (até por gente que nem gosta dela) sem esperar nada em troca. Ao fim da narração, Momiji pergunta: “O que vocês acham do viajante? Acham ele idiota?”

Recentemente revi meu filme favorito, “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”. Amélie é uma jovem solitária, que vê seu destino mudar ao encontrar uma caixinha com vários objetos, que pertenceu a algum garoto que provavelmente seria adulto agora. Amélie faz um teste para si mesma e procura o dono da caixa. Ela o encontra e bola uma surpresa para que ele reencontre sua pequena máquina do tempo. Quando o já senhor reencontra a caixinha, sua emoção é tamanha que Amélie, que tudo observava, toma uma decisão: resolve ajudar todos a sua volta.

Me pegou de surpresa a lembrança que o filme me despertou da história do viajante mais idiota do mundo. Duas obras tão diferentes com personagens de alma tão similar.

Em determinado momento, Amélie justifica seu impulso por ajudar os outros dizendo que quer resolver a confusão de suas vidas, e um personagem rebate “E a sua confusão? Quem vai resolver?”.

Agora eu me pergunto: será que o viajante também pensava assim? “Vou resolver os problemas de todos, assim não preciso enfrentar os meus”? Talvez Amélie e o viajante não esperassem nada em troca das pessoas, porque o mero ato de ajudar preenchia suas vidas. Dava-lhes prazer, ocupava o tempo e a mente. Viam no próprio ato a própria recompensa.

Você pode se perguntar se vale a pena. Eu, sempre que possível, faço tudo que está ao meu alcance pra ajudar pessoas que me importo, e já ouvi essa pergunta várias vezes, de diversas formas. “Nossa, você é muito boazinha, eu não teria essa paciência”. “ Mas ele(a) faria isso por você também?”. “Cuidado pra não ser feita de boba”.

As pessoas tem tanto medo, mas tanto medo de serem feitas de idiotas, quanto tem de barata ou do disparo do preço do dólar. E provavelmente elas fazem outras coisas para evitar suas próprias questões internas.

“O que você acha do viajante? Acha ele idiota?”

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