Sem importância
“Como é difícil encontrar um médico confiável”. Esse era o pensamento de Francisco naqueles minutos inquietantes na sala de espera do obstetra. Ele e a esposa, Samanta, passaram por cinco especialistas para o acompanhamento da gravidez e a realização do parto do primeiro filho do casal. A gestação se encaminhava para o quarto mês e eles não tinham definido quem seria o responsável pelo parto. A vontade de ter a criança de maneira natural era um entrave no mundo cada vez mais automatizado e direcionado para as cesáreas. “É mais seguro”, diziam os médicos.
Os pais de primeira viagem foram incansáveis em busca de quem aceitasse trazer o filho à vida da maneira que eles achavam melhor. Todos os visitados até então colocavam empecilhos e apavoravam a grávida com supostas experiências erradas durante partos naturais. Nada capaz de mudar a ideia dos dois.
Tiveram a certeza de estar no caminho certo quanto se consultaram pela primeira vez com Mário Goldenberguer. Indicado por um colega de trabalho de Francisco, o médico aceitou fazer o parto de maneira natural. Só ressaltou que o plano de saúde pagava muito pouco por isso. Ele poderia até colocar as consultas durante a gestação para serem pagas pelo plano, mas o parto deveria ser particular. O valor não era nada barato e ainda podia aumentar. “Vocês sabem que mesmo com nossa vontade de fazer o parto natural podem haver complicações. Aí terei que chamar um auxiliar para a cesárea, e o custo dele ficará com vocês”, explicou Mário.
Francisco e Samanta fizeram as contas, apertaram o orçamento e embarcaram no sonho. Poderiam gastar um pouco mais do que pensavam, mas, ao menos, Danilo iria nascer da maneira que eles queriam. A não ser, é claro, que houvesse algum contratempo durante o trabalho e a cesárea fosse inevitável. Enfermeira, Samanta já tinha ideia do que os médicos eram capazes para mudar tudo em cima da hora.
Nos quatro meses seguintes, tudo ocorreu de maneira normal. A cada 15 dias o casal chegava cedo no consultório. Francisco deixava até para tomar o café na sala de espera. A ansiedade era grande e, a cada ultrassonografia, novos planos e sonhos eram traçados. Danilo foi ganhando forma. Os pés, os braços, o som agudo do coração batendo no interior de Samanta. Mário fazia questão de compartilhar com os pais cada novidade. Acompanhava os avanços e até palpitava sobre as compras para o bebê. Era daqueles médicos que se dizem “humanos”. “Demos muita sorte de encontrar ele”, pensava Samanta.
Depois da consulta onde confirmaram a realização do parto, não voltaram mais a falar no valor do procedimento. Sequer assinaram qualquer tipo de compromisso. Confiavam um no outro. O médico tinha a plena convicção da lisura e honestidade dos pacientes. Os pais, admirados pela forma de tratar do profissional, não viam motivo para suspeitar de qualquer comportamento.
O jogo mudou quando Samanta entrou no oitavo mês de gestação. Logo na primeira consulta daquele que seria o mês derradeiro, Mário fez um alerta.
- Olha, por conta de novos procedimentos, não poderei mais deixar o auxiliar para o caso de uma cesárea. Estamos sendo obrigados a contar com ele mesmo que o parto seja normal. É uma nova orientação.
- E vamos pagar mesmo se não precisar dele? — questionou Francisco.
- Posso até conversar com ele para ver isso, mas tem que pagar. Afinal, ele estará ali à disposição para trabalho, não é?
Samanta deu apenas uma olhada de canto de olho para Francisco. O marido entendeu o recado no momento. Por mais que não concordasse com aquilo, percebeu que a esposa não queria confusão. Engoliram a surpresa e refizeram as contas da família. Ficaria ainda mais apertado, mas não havia o que ser feito àquela altura.
O acompanhamento continuou e a data esperada para o nascimento se aproximava. Como acordado desde o início, eles iriam esperar Samanta entrar em trabalho de parto para ir ao hospital. Nada de querer definir, de acordo com a agenda do médico, o dia que o menino deveria nascer.
As consultas, que eram quinzenais, tornaram-se semanais. Duas visitas após a notícia de que o auxiliar seria obrigatório, os pais estreantes perceberam outra novidade. No meio da conversa para fechar os valores e definir os pagamentos, Mário exigiu R$ 500 a mais para ele e outros R$ 500 para o auxiliar.
- Calma aí! Não foi isso que nós acordamos — bradou Francisco.
- Não? Esse valor foi reajustado há um bom tempo.
- Mas não acertamos assim.
- Verdade, desculpa. Estava esperando o melhor momento para fazer para vocês. Na verdade, o valor do parto aumentou mil reais, mas estou colocando só R$ 500 para não pegar vocês desprevenidos.
- Doutor, nós acertamos um valor aqui. Foi conversa de homem para homem.
- O valor agora é esse. O mercado mudou e os preços foram reajustados. Perdão, mas só faço o parto por esse valor. Sei que não vai trazer grandes problemas para vocês. Não é nada de grande importância — disse Márcio, rindo.
Francisco e Samanta se viram perdidos. O gasto a mais não estava previsto no orçamento. Mas o que fazer? Procurar um novo obstetra a poucos dias para o parto? Alguém aceitaria tal coisa? E poderiam evitar a cesárea com um novo profissional? A incerteza era grande e os riscos ainda maiores. Decidiram pagar o valor excedente e evitar qualquer tipo de arrependimento. Só pediram para que o pagamento fosse feito em cheque.
Pouco mais de uma semana depois, a bolsa de Samanta estourou. Francisco saiu às pressas para o hospital e ligou para Mário ainda no caminho. Quando o casal chegou, o médico já estava lá com o auxiliar. O parto demorou e o profissional extra precisou entrar em ação. Chegaram a cogitar a necessidade da cesárea, mas com Francisco dentro do quarto e sempre vigilante às dicas que Samanta havia deixado, os médicos não conseguiram impor sua vontade. Danilo veio ao mundo de forma natural.
- Tá vendo que deu tudo certo? E ainda bem que meu auxiliar estava aqui comigo — brincou Mário enquanto pai e mão olhava admirados para a criança no berço.
A nova família foi para casa e continuou recebendo a atenção do médico. Todo dia Mário ligava para questionar sobre a recuperação de Samanta e a saúde de Danilo. Uma semana depois, no entanto, a pergunta mudou de assunto:
- Francisco, recebi a notícia hoje de que seu cheque voltou.
- Voltou? Sério?
- Foi. Já fui até falar com o gerente.
Com o celular na mão, Francisco viu o peito de encher de alegria. Há algumas semanas esperava para dar aquela resposta:
- Ah, Mário, desculpa. Estava esperando o melhor momento para fazer para você. O mercado mudou, os preços aumentaram e nós tivemos que passar por alguns reajustes aqui em casa. Houve um pequeno problema e eu tive que sustar o cheque. Sei que não vai trazer grandes problemas para você. Não é nada de grande importância.