Somos a geração dos virgens de crise

José Ricardo Garcia
Medium Brasil
Published in
5 min readSep 2, 2015
O Globo

Semana passada, mais precisamente na terça feira (25/08), a Presidente Dilma admitiu, mesmo que com uma autodeclarada surpresa, que existe sim uma crise econômica no país. Esse então pode ser considerado um marco: A partir de 25/08/2015 o Brasil entrou oficialmente em crise econômica.
Mesmo antes desse “marco” e até o momento, a discussão em torno da crise é muito mais baseada em “descobrir por que o governo deixou a situação chegar a esse ponto e quais ações o governo deve tomar para melhorar a economia”. Nessa hora, cada um de nós, mero cidadão, doutor, padre ou policial que está contribuindo com sua parte para nosso belo quadro social, se traveste de economista e entra de cabeça em discussões acaloradas sobre o tema. Todos nós, a depender da posição de cada um, mais a direita ou mais a esquerda da régua política, vira um especialista em macro economia, dá sua solução pronta e impõe suas verdades, colaborando pra polarização que o país vive desde a campanha eleitoral do ano passado.
O que quase ninguém percebeu até o momento é o aspecto mais sensível dessa confusão toda: Como nós vamos gerir nossas vidas, nossas casas e nossas famílias durante uma crise econômica, sendo que uma parte determinante da população economicamente ativa não foi preparada para enfrentar isso?
Independente de considerações de diferenças entre classes A, B ou C, se considerarmos a faixa da população entre 20 e 40 anos de idade, ou seja, talvez a faixa etária mais importante quantitativamente no esforço produtivo do país, temos uma parcela significativa do povo que não viveu diretamente uma crise econômica. E o pior: Muito provavelmente, passou a vida tendo a certeza de que nunca enfrentaria uma situação como essa.
Façamos umas contas de padaria:
Quem completa 40 anos em 2015, nasceu em 1975 (que conta difícil, hein?). A pessoa com essa idade passou sua infância nos anos 80 e, mesmo que tenha sofrido indiretamente com tudo o que o país passou nessa década, talvez não tivesse maturidade à época pra guardar na memória a dificuldade de prover uma casa durante tempos de hiperinflação. Claro que o fato dessa pessoa ter sido criada em torno da tensão de não ter carne no mercado, do arrocho salarial, dos gatilhos e da INFLAÇÃO, gerou uma criação dentro de uma linha de pensamento mais pragmática, afinal, era pra corrida dos ratos que essa geração estava sendo preparada. Mas aí, enquanto o adolescente nascido em 1975 ouvia Alice in Chains com sua camisa de flanela amarrada na cintura, foi criado aquele que seria o divisor de águas na economia brasileira: O Plano Real. Eis que o jovem, preparado pra uma vida de ir ao mercado no dia do pagamento fazer as compras do mês, se depara com um mundo de oportunidades e sua subida na vida é maior que a imaginada. Anos mais tarde, já adulto nos anos 2000, vê com desconfiança, dependendo daquela famosa posição na régua política, o país crescer a partir de um modelo menos pragmático e mais social, diferente daquilo que teve como referência. Mesmo com escândalos de corrupção mensal aparecendo na TV, o pai (ou mãe) de família não se incomoda muito com isso, afinal, sua vida vem melhorando ainda mais, seu negócio ou seu salários vem crescendo, seu poder de compra vem aumentando e seus filhos, vejam só, podem até considerar fazer os estudos além do que ele teve oportunidade. É assim e com esse mindset que os últimos da geração Y chegam à porta da crise.
Quem completa 20 anos em 2015, nasceu em 1995 (a matemática tá um espetáculo nesse texto!). Isso significa que essa pessoa que está em plena fase de estudos e entrando no mercado de trabalho nasceu após o plano real. Esse cidadão nasceu com a inflação controlada, com o supermercado sempre abastecido de papinha, leite, carne pra sopinha durante sua infância e, na sua adolescência, passou a perceber até que o supermercado passou a colocar aqueles produtos mais “diferenciados” pois, segundo o que se dizia no jornal, ele fazia parte de uma nova classe média que buscava mais do que o básico e fazia o consumo explodir. Seus pais, que viveram a transição da “época de inflação” para “época do dólar 1 pra 1”, o criaram com a premissa de que agora quem estuda tem emprego garantido e que quem é bom mesmo, estuda pra caramba e vai embora daqui, meu filho. É assim e com esse mindset que os primeiros da geração Z chegam à porta da crise.
Agora os quarentão, as balzaca, os moleque doido e as novinha estão juntos com o mesmo abacaxi na mão. O que fazer nessa crise?
A reação inicial, claro, é a de uma torcida organizada que vê seu time ser eliminado na primeira fase do campeonato depois de anos ganhando tudo: Bora protestar! Essa reação é louvável e perfeitamente válida, desde que os brutamontes da organizada não invadam o CT do time e que a galera no protesto não peça intervenção militar. Essa relação paternalista que o brasileiro tem com o estado facilita a conclusão cômoda de que “se o governo nos colocou nessa, é o governo quem tem que fazer algo pra tirar”.
A verdade é que, além da cobrança ao governo que negou a crise até o último momento e que deve sim tomar suas medidas, nós mesmos também teremos que nos reinventar. A depender da intensidade e do tempo de duração dessa época de vacas magras (essa intensidade e esse tempo, cada um que estime baseado naquela posição daquela régua), nossos hábitos mudarão. Novos hábitos de consumo, mais pragmáticos, serão criados e velhos hábitos de consumo, muito mais pragmáticos, serão resgatados. Os investimentos pessoais serão necessários pra retomada (que sempre vem), mas deverão ser mais certeiros pois não deverá haver espaço pra muito risco. Nossa atitude perante nossas carreiras será mais cautelosa pois, ao contrário do que nos acostumamos, o pleno emprego não é mais realidade chegou a hora que compreender se o emprego formal e clássico é a melhor opção ou se vale a pena empreender visando a futura retomada.
E eu, aos 32 anos, gostaria de dar a solução nesse texto pra que todos nós passemos bem pela tormenta. Mas eu (como você já deve ter feito suas contas de padaria) estou no meio dessa geração dos virgens de crise, e escrevo muito mais pra compartilhar minha aflição por também não ter ideia do que fazer. Só sei que, lembrando de quando acompanhava meu pai nas compras do mês quando era moleque, já comecei a ver com mais carinho o jornal de promoções do supermercado.

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José Ricardo Garcia
Medium Brasil

Perdão que perdi o pique, mas se a vida é um piquenique, basta um herói de butique dos chiques profissionais.