Tralhas
Olá, passageiros! Desculpa atrapalhar o silêncio da viagem de vocês. Eu não podia ouvir essa frase. Sabe o calcanhar de Aquiles? Bem, esse era o meu. Ver aquele vendedor no ônibus com seu produto na mão era a senha para me tirar dinheiro. Ouvia as primeiras palavras e enfiava a mão na bolsa em busca da carteira.
Muitas vezes eu já estava com o dinheiro na mão antes de descobrir o produto oferecido. Não, eu não precisava daquelas coisas. Era algo difícil de explicar. Até hoje acho que minha mania era a tentativa de ajudar. Confesso: muitas vezes comprava por pena. Não sou daquelas que anda fazendo caridade por aí, mas ambulante no ônibus era o meu fraco.
Caneta, porta documento, chocolate, bala, chiclete, o que fosse. Não queria nem saber. O importante era comprar. Um armário de meu quarto não tem mais espaço para nada. Compro e jogo tudo lá. Compro e jogo lá. Às vezes me surpreendo até com o valor. Eles dizem que é tudo mais barato do que em qualquer mercado da cidade. Não sei como é isso, mas eu aproveito. Nem penso em questionar nada. A mão vai no automático procurando a carteira.
Acho até que essa questão do valor é algo que facilita muito. Quase nada custa mais do que R$2. Eu sempre ando com um trocado na bolsa. Sabe aquelas moedas do troco do pão? Pois é. É tão bom receber o sorriso deles de volta. Os bichinhos são ignorados por muita gente. Uns fazem muxoxo, outros viram a cara e fingem que não tem ninguém ali em pé do lado. Você acredita nisso?
- Sim, minha senhora. Muito bonita essa sua história. Mas o que eu quero saber é como a senhora tem tanto produto diferente em sua sacola aí e sai vendendo assim no meio da rua.
- Ah, seu delegado. Eu só quero me livrar dessas tralhas mesmo. Não sei nem pra quê comprei esse monte de porcaria aqui.